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“A gente tem que pensar como chegou aqui”, diz Martinho da Vila

Aos 86 anos, ele lança seu 21º livro, conta que gosta de se sentir desafiado na música e fala sobre a mudança do olhar sobre os artistas negros

Por Kamille Viola
16 fev 2024, 06h00
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  • Em uma das histórias de Martinho da Vida (Editora Planeta), seu alter ego está em um hotel cinco-estrelas pensando aonde chegou. Isso passa pela sua cabeça? Tem um samba do Paulinho da Viola, Dança da Solidão, que diz: “Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado”. De vez em quando, eu faço esse exercício. A gente tem que pensar como chegou aqui, os caminhos percorridos e não esquecer quem foi importante.

    O livro é uma autobiografia? Até pensei nesse formato, mas é meio chato. Geralmente, o autobiografado fala só das coisas boas que aconteceram e tal. Aí resolvi fazer algo que misturasse ficção e realidade. É como se fosse eu conversando comigo mesmo no espelho.

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    Você foi um dos primeiros sambistas negros a vender muitos discos e viver bem da música. É verdade, quase todos morreram mal. Os expoentes da música brasileira negros, Clementina, Cartola, Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Ismael Silva, todo mundo chegou ao final da vida duro, sem conseguir uma casinha própria para morar.

    O que mudou? Não tínhamos muitas referências negras bem-sucedidas. Aqueles que se destacavam nas artes, em geral, eram embranquecidos. Ninguém via o Machado de Assis como negro: as fotos dele, os desenhos, era tudo meio clareado.

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    Como foi abrir esse caminho? No passado, quando alguém fazia uma festa de aniversário e era amigo de algum sambista, convidava, mas não era para ir à festa, era para cantar lá (risos). Falavam: “Aí, Martinho, vai cantar que horas?”. E eu: “Vim só tomar uma bebida”. Marcava uma presença e ia embora. E marcava também uma postura.

    Hoje você precisa exercitar os dois lados, o cantor e compositor e o escritor? Preciso. O lado de compositor, cantor e tal, já fiz muita coisa. Eu gosto do palco ainda, mas quando tem algum show desafiante. Fazer um normal, assim, já não estou mais a fim, não.

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    Você ganhou um Grammy Latino com Negra Ópera (álbum de 2023). Foi um desafio misturar samba com ópera? Eu queria fazer uma coisa mais dramática, que é uma característica das óperas, e meus discos não são muito assim. As pessoas não imaginam que um sambista goste de ópera. Pouca gente gosta, mas a maioria também nunca viu. Quando vai ver, acaba gostando.

    Em 2023, você prometeu que seria seu último desfile pela Vila Isabel, e lá estava você na avenida novamente em 2024. Essa vai ser sua última vez mesmo? Não, agora eu acho que é mesmo, de verdade. Muito embora, com relação à Vila Isabel, eu não tenha muita palavra, não (risos).

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