“A TV está muito perdida”, diz Rafael Infante sobre queda na audiência

Uma das estrelas da programação do Festival Humor Contra-Ataca, o comediante apresenta a peça Terapia Infernal para uma plateia de 8 000 pessoas no Qualistage

Por Melina Dalboni
17 jan 2025, 06h01
Rafael Infante
Rafael Infante: ator e comediante vive o diabo no teatro (Oseias Barbosa/Divulgação)
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O mês de janeiro é tradicionalmente a temporada de ouro do teatro carioca, com uma série de estreias ocupando salas de espetáculos por toda a cidade. Em 2025, a comédia chega com um reforço de peso: o Festival Humor Contra-Ataca apresenta oito das produções de maior sucesso do segmento em oito sextas-feiras no Qualistage, para um público de 8 000 pessoas por sessão. Uma das estrelas da seleção é o humorista Rafael Infante, que mistura teatro e stand-up comedy na peça Terapia Infernal, no dia 24. Em cena, ele, que já interpretou Deus num dos vídeos de maior sucesso do canal Porta dos Fundos, vive agora um diabo no divã.

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Nada é por acaso: filho de um psiquiatra e uma psicóloga e irmão de uma psicanalista, Infante conta que o tema é um de seus preferidos e que estuda os principais pensadores, como Freud e Lacan, com frequência. “Em alguma medida essa peça sou eu saindo do armário com o meu desejo de ser psicanalista também, que eu não realizei como profissão, mas que sempre me formou”, reflete. Neste papo com VEJA RIO, o humorista de 39 anos analisou ainda as tentativas da TV aberta de incorporar sucessos da internet e a mudança no humor nos últimos vinte anos, desde que começou. “Houve uma tomada de consciência coletiva. Se você diz algo que faz rir, mas machuca outras pessoas, não faz mais sentido”, diz.

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Você faz terapia? Faço análise lacaniana uma vez por semana. A primeira vez que fiz ainda era criança. Comecei a perguntar para os adultos sobre a morte, e a minha mãe, muito honesta, falou que essa era uma questão que ela como adulta também tinha e propôs que eu fizesse terapia para elaborar essas questões do meu jeitinho. Fiz rapidinho, foi ótimo. Depois, adulto, eu voltei e nunca parei.

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Qual foi a lição mais importante que tirou das sessões? A análise nos ajuda muito a sustentar justamente esse não saber humano. Fui me desligando de uma sensação de fantasia da vida no meu percurso de análise. E também de uma fantasia de achar que eu teria resposta para alguma coisa ou que poderia controlar alguma coisa na vida.

Teve receio de sofrer algum ataque de religiosos ao colocar o diabo no divã? Falar de um arquétipo como o Diabo num Brasil cada vez mais fundamentalista traz um ato de coragem, mas não posso ser censurado contando com a ignorância de X ou Y. A peça não é uma exacerbação dessa figura. Ele entra ali para provocar uma reflexão que vem do riso, é humor. No final da peça, não existe o diabo como uma entidade, o diabo somos nós.

Em que sentido? Durante a pandemia, eu fiquei muito assustado com o quanto nós, como coletivo, nos mostramos tão intransigentes e frios, sem empatia, sem parceria. A gente fala mal do inferno, mas isso aqui parecia o inferno mesmo. Isso estava na minha cabeça, até que um dia me veio a ideia de que o diabo estava achando a gente pior do que ele, e decidi colocá-lo deitado num divã de psicanálise para refletir sobre isso.

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As salas de teatros estão lotadas, especialmente os espetáculos de stand-up comedy. A que atribui esse fenômeno? O público nas salas é uma soma de fatores. Teve um movimento pós-pandêmico de saudade de ver gente de verdade atuando, depois de muita tela e muito streaming, mas tem também uma redescoberta dessa arte. O palco tem o risco do ao vivo e do olho no olho. O teatro é a lembrança de que a vida pode ter um improviso e que pode dar errado.

“Na piada, tem que haver o gozo coletivo. Se só tem um gozando, é um ataque”

Com que idade descobriu a vocação para os palcos? Fiz teatro escolar. Depois fiz faculdade de cinema e, quando chegou na metade da graduação, tive a certeza de que queria estudar teatro. Mudei, então, para artes cênicas. Minha escolha pela faculdade de cinema passou por aquele medo: é possível estudar teatro de verdade no Brasil e comer?

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Chegar a um programa na TV aberta era sinônimo de consagração para um humorista. Como a internet mudou esse jogo? Ela desvelou com muita força uma engrenagem que estava no controle de poucas pessoas. Hoje um jovem de 19 anos ou até menos na internet tem os mesmos dilemas e dramas que um Boninho ou um grande executivo de TV dos anos 80 e 90 tinha. Qual vai ser a programação? O que eu vou falar? Quem eu contrato? No que eu invisto? Quantas marcas vão querer vir? A TV ainda respira de uma credibilidade, mas minha filha de 8 anos não tem ideia do que é TV Globo direito, aquilo não prende ela.

Você participou de novelas e apresentou seu quadro de maior sucesso do Porta dos Fundos no Fantástico, mas a atração não foi renovada. O que aprendeu com a experiência? A TV está muito perdida. Ela está com dificuldade de bancar aquilo em que acredita, então, tenta buscar na internet algo que ela está perdendo, que é audiência. Mas essa não é uma conversão garantida. A TV tem outras regras, outro ritmo, não pode falar tudo. Talvez o sucesso da internet seja justamente a liberdade.

Existe um certo vale-tudo na internet, com muita coisa de qualidade duvidosa. Concorda? Tenho horror a pessoas da minha geração desesperadas para estar naquele trending. Me angustia essa ideia de que é preciso ser relevante o tempo todo. Eu não vou fazer o vídeo igual ao que está todo mundo fazendo para me manter nesse lugar.

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O que mudou na comédia nos seus vinte anos de carreira? A comédia não é uma entidade desatrelada do que está acontecendo na sociedade. Houve uma tomada de consciência coletiva. Se você diz algo que faz rir, mas machuca outras pessoas, não faz mais sentido. Talvez pela minha criação em casa, nunca gostei desse estilo meio 5ª série, a comédia do bullying. Sempre preferi um humor mais reflexivo.

O que é uma boa piada hoje? Piada é aquilo de que a gente consegue rir junto. Se só uma pessoa está rindo, não é mais piada, é um deboche, uma ironia, uma exclusão. Na piada, tem que haver o gozo coletivo. Se só tem um gozando, é um ataque.

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