Tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo, crescendo, absorvendo uma trupe de alto calibre musical. E eis que, de repente, Dora Morelenbaum, Julia Mestre, Lucas Nunes, todos com 26 anos, e Zé Ibarra, de 25, se viram assim, completamente entregues ao grupo Bala Desejo. Se no começo, em plena pandemia, eram despretensiosas as participações nas prestigiadas lives de Teresa Cristina — quando ela se referia a eles como “comunidade hippie”, uma vez que os quatro estavam quarentenados juntos, no apartamento dos pais de Julia, em Copacabana —, logo foram convidados a dar show em um festival (que acabou cancelado) e a gravar um álbum, Sim Sim Sim.
Na turnê do disco, vêm sendo recebidos com entusiasmo pelo público, com uma recente passagem, inclusive, pelo concorrido festival Primavera Sound, na Espanha, no mês passado. Entre os próximos passos do quarteto, de jeitão meio setentista tanto nas músicas quanto na estética dos integrantes, estão um show no Circo Voador, em 29 de julho, e outro no Rock in Rio, no Palco Sunset, em 10 de setembro, algo normalmente impensável para uma banda com tão pouco tempo de estrada. “Tem sido muito animador: a gente chega aos lugares e a galera já está cantando nossas músicas”, comemora Lucas.
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A novata banda carioca tem pela frente uma bem fornida agenda de shows marcados, como o Coala Festival, em setembro. Mas a relação entre eles não é, digamos assim, monogâmica, já que cada qual se encontra envolvido em seus próprios trabalhos. Conciliar tantos projetos exige um verdadeiro arranjo. A lista de apresentações abarca até voos ao lado de pesos pesados da MPB. Lucas (que namora Dora) atualmente integra a turnê Meu Coco, de Caetano Veloso — além de ter produzido o álbum de mesmo nome, lançado no ano passado, ele toca violão e guitarra no show, do qual assina a direção artística com Pretinho da Serrinha e o próprio Caetano. Ele ainda produziu faixas para Tom Veloso e Rubel.
Zé Ibarra, por sua vez, tem na manga um álbum audiovisual solo pronto — registrado na escada de seu prédio, ao vivo — e se apresenta sozinho no dia 21 no Teatro Prudential. Ele participou de duetos recentemente com Ney Matogrosso e Gal Costa e está na turnê A Última Sessão de Música, que marca a despedida dos palcos de outro gigante, Milton Nascimento (ele já havia cantado na anterior, Clube da Esquina, de 2019). “É uma baita responsabilidade que a gente tem com esses artistas, de poder fazer, ajudar a coisa a continuar acontecendo. E isso nos alimenta e provavelmente a eles, de modos muito diferentes”, avalia Lucas.
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E tem trabalho à espera de uma brecha, como no caso de Lucas e Zé, que estão se organizando para lançar o segundo disco da Dônica, banda da qual também faz parte Tom Veloso, filho de Caetano. Julia se prepara para lançar seu segundo álbum solo, Arrepiada, previsto para o fim do ano, e Dora, que é filha do arranjador Jaques Morelenbaum e da cantora Paula Morelenbaum, participa de uma faixa de Meu Coco, GilGal. Ela tem um EP, Vento de Beirada, lançado no ano passado, três singles e planeja um novo compilado.
O rápido rumo que as coisas tomaram pegou a todos de surpresa, admite Zé Ibarra. “Acabou sendo um caminho multifacetado, que é muito legal. A gente consegue trabalhar com os maiores artistas do mundo”, celebra. Julia conta que eles estão em processo de encontrar o equilíbrio entre tantos interesses e o grupo que formaram. “Falamos muito abertamente que o Bala Desejo não é uma banda, é um movimento de união, de acontecimento, é o aqui e agora, é esse disco que a gente fez junto, é a nossa missão de divulgá-lo o máximo que a gente puder”, define.
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Quando eles se juntam, tudo flui com muita naturalidade. Afinal, todos ali se conhecem desde que tinham 12, 13 anos e estudavam na Escola Parque, na Gávea. “Ficamos amigos mesmo por causa da música. A gente se identificou nesse aspecto”, lembra Dora. “Qualquer movimento que um faz na voz o outro já saca e acompanha. É uma alegria viver isso, a música em simbiose”, diz Zé Ibarra.
Para a jornalista musical Lorena Calábria, autora do livro Da Lama ao Caos, sobre o disco do grupo Chico Science e Nação Zumbi, o trabalho do novo coletivo guarda semelhanças, em certa medida, com a trajetória dos Tribalistas, trio composto, em 2002, por Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. “No sentido de ser meio festivo e, ao mesmo tempo, trazer esse sentimento de ‘vamos celebrar dentro desse caos todo’”, explica Lorena. De fato, uma das letras do álbum de estreia do quarteto, que soma quase 2 milhões de reproduções só no Spotify, Lua Comanche, diz assim: “Meu maior desejo é viver por enquanto / Um pouco mais vivo / Vivo e colorido / Menos dor mais brilho / Bem no íntimo da multidão”.
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Considerada madrinha do Bala Desejo pelos próprios integrantes, Teresa Cristina tece elogios aos quatro. Ela e Ana Frango Elétrico, produtora do álbum ao lado do grupo, participam do Bala Baile Show no Circo — o nome é uma referência ao Bicho Baile Show, espetáculo de Caetano Veloso com a Banda Black Rio, que rendeu um disco ao vivo lançado em 1978. “Eles fazem parte de uma geração talentosa, que conhece muito sobre música brasileira, estudaram esse repertório mais antigo e estão criando em cima de raízes fortes”, analisa Teresa.
O quarteto mescla uma série de referências de estilos — MPB, reggae, chula, salsa, rock, frevo e por aí vai — em letras carregadas de vivacidade (leia mais no quadro). Para Carlos Smith, o Lencinho, produtor do Circo Voador, o som do grupo tem tudo a ver com o momento atual. “Foram dois anos duros, de enclausuramento, perda de pessoas queridas. Aí eles vêm com um som leve e libidinoso, que fala dessa coisa do corpo, de você estar na rua se encontrando”, resume. E como já dizia aquele clássico funk das antigas, com adaptações: Quer dançar, quer dançar? O bonde do Bala Desejo vai te ensinar.
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