A cada nova fase do Campeonato Brasileiro, as ruas do Rio vêm sendo tomadas por uma torcida antes discreta, mas agora barulhenta e supersticiosa, embalada por uma sucessão de boas atuações. São os botafoguenses, compostos de uma velha geração que amargou tristes desfechos em campo nos últimos anos e de jovens que ostentam com muito orgulho a solitária estrela na camisa alvinegra. Depois de faturar a Taça Rio, em abril, o clube emplacou treze vitórias em dezesseis rodadas do Brasileirão, um recorde na era dos pontos corridos. Com os bons resultados contabilizados até o fechamento desta edição — e performances de gala dos atacantes Tiquinho Soares, Victor Sá e Matheus Nascimento —, o Botafogo tem, segundo cálculo feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 90% de chances de sagrar-se campeão em dezembro, após 28 anos do seu derradeiro título na principal competição nacional. Um sonho que soava impossível para uma turma que já sofreu muito e agora bate ponto no Estádio Nilton Santos, no Engenho de Dentro, afastando a sombria memória de tempos de decadência e má administração, que levou o time a ser rebaixado três vezes à série B em vinte anos, a última delas em 2021. “Era muito pequeno quando vi o Botafogo ser campeão brasileiro, em 1995”, conta o chef Ignácio Peixoto, 33 anos, dando voz a um coro crescente. “Estou ansioso para que retome toda sua glória.”
A extraordinária virada do clube teve início em 2022, quando o conselho deliberativo aprovou a transformação do Botafogo numa Sociedade Anônima do Futebol (SAF). O modelo, que virou prática comum entre os grandes do futebol brasileiro, oferece uma tributação vantajosa, permitindo a centralização de dívidas trabalhistas e cíveis. Torna-se mais fácil assim o saneamento das finanças. A SAF abre ainda a possibilidade da venda parcial ou total do clube — exatamente o que fez o Botafogo, que acabou arrematado pelo empresário americano John Textor, milionário do ramo da tecnologia e do cinema, e dono de outros times, como o Lyon, da França, o RWD Molenbeek, da Bélgica, e o Crystal Palace, da Inglaterra. Sob nova direção, a equipe carioca recebeu injeção imediata de 100 milhões de reais, montante que deverá quadruplicar nos próximos anos, e transferiu 900 milhões de reais em dívidas para o grupo americano. Toda essa movimentação fora de campo ajudou a desatar nós que emperravam contratações e melhorias, e o Botafogo decolou.
A admirável campanha até aqui (o futebol é uma eterna caixinha de surpresas, não custa lembrar) trouxe visíveis reflexos nas arquibancadas. Conhecido pela fiel parcela de torcedores mais velhos — 23% têm idade superior a 55 anos, ficando apenas atrás do Internacional e do Fluminense, segundo relatório divulgado pela consultoria Convocados —, o clube alvinegro experimenta um rejuvenescimento do público. “Meu filho fica vidrado toda vez que o time entra em campo”, relata a historiadora Bianca França, mãe do torcedor mirim João Nestor, 4 anos. “Outro dia, ele ensinou a classe inteira a cantar o hino do time na escolinha em que estuda”, orgulha-se. São histórias que se repetem à medida que o time traz alegria aos domingos em família. A empresária Camila Toledo cultiva a rotina de ir às partidas no Estádio Nilton Santos acompanhada dos filhos João, 11 anos, e Antônio, 7, além do marido, Diego. “O Botafogo é minha grande paixão”, resume João, integrante da nova geração que floresce nos estádios. Desde janeiro, o clube, que afia o olhar para o marketing, passou a incluir uma série de atrações paralelas às partidas para pequenos botafoguenses com ele, entre as quais brinquedos e a presença de recreadores, o que acaba por fazer da ida ao estádio um programa completo. “É um ambiente agradável para a família toda”, diz a mãe.
A atual administração aproveita que os ventos sopram a favor para acelerar os negócios fora dos gramados. Entre as recentes iniciativas, está o fim do licenciamento de produtos, uma operação que resultou em receita irrisória para os cofres. No lugar, o alvinegro selou parceria com a Reebok e terá linha própria de itens, disponibilizados em lojas de departamento. “Além disso, vamos abrir quatro lojas oficiais no Rio e expandir o e-commerce”, diz o diretor-geral, Thairo Arruda, à frente do projeto do Museu Botafogo, cujas obras começam em setembro (leia mais detalhes no quadro). Localizado em General Severiano, sua sede está sendo idealizada em parceria com a Mude, empresa que já concebeu e implementou quinze museus do gênero em sete países, entre eles os do River Plate, Benfica, Juventus, Wembley e Conmebol. “Assumimos a responsabilidade de honrar a história e projetar o futuro do clube com um equipamento cultural e turístico da mais alta qualidade”, afirmou o presidente do clube, Durcésio Mello.
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Entre os mimos à torcida, os botafoguenses já podem ver a nova escultura em homenagem ao ídolo maior Garrincha, instalada no jardim da sede de General Severiano, onde também funciona o farol de 27 metros de altura que faz brilhar nos céus de Botafogo a estrela solitária do time. E assim, de novidade em novidade, o clube acabou conseguindo dobrar sua base de sócios-torcedores, que registra atualmente mais de 50 000 inscritos, com planos mensais entre 29,90 e 199,90 reais. Os associados têm prioridade na compra de ingressos para os jogos, recebem a camisa oficial da temporada e podem trocar pontos por experiências, como o encontro com jogadores. Outra mudança no horizonte é a criação de um setor exclusivo para as famílias no Nilton Santos. Programado para ser concluído em dois meses, vai contar com 300 lugares. Também será possível realizar festas de aniversário no estádio em Engenho de Dentro: o tema, claro, será o clube e suas glórias. “O Botafogo acerta ao aprofundar e fortalecer a relação com público tão fiel na boa fase que atravessa”, avalia Pedro Trengrouse, coordenador do curso de aperfeiçoamento em gestão de esportes da Fundação Getúlio Vargas. Com 119 anos recém-completados, no último 12 de agosto, o time joga bonito para fazer jus ao belo hino de Lamartine Babo: “Botafogo, Botafogo, campeão desde 1910”.