“Há cerca de uma semana, eu e uma amiga, duas fanáticas por cinema, saímos pra uma sessão às 10h da manhã nas redondezas do Odéon, sexto “arrondissement” parisiense. Duas horas de filme depois, seguimos rumo a um restaurante onde, na minha opinião e de muitos parisienses, serve-se a melhor sopa de cebola de Paris. Já fui logo prevenindo a amiga: “Olha, não reservei, periga não conseguirmos mesa. Esse restaurante é mais cotado que o La Mole em Dia das Mães”. Faço meu comentário com medo de ser démodée, afinal, nem sei mais qual restaurante no Rio hoje faz fila na porta.
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Pois bem, chegamos ao nosso destino e lá me surpreendo. Meia dúzia de gatos pingados, mesas a escolher. No salão, percebia as conversas em inglês, chinês, alemão e as duas brasileiras aqui em português. Outro fato surpreendente num local pouco frequentado por turistas. O garçom nos acolhe com sorriso, pedimos nossa sopa. Aproveito para perguntar a ele : “Nunca vi tão vazio, normalmente não conseguimos almoçar sem reserva, o que houve?”. “Acho que é o medo do coronavírus. Estamos há duas semanas com queda de 70% no movimento”, responde o rapaz.
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A amiga me olhou e levantou a questão “Será que estamos muito sem noção?”. Naquele momento na França, o número de infectados e mortos pelo COVID-19 era considerado baixo e atingia apenas a faixa etária acima dos 70 anos. Em menos de 10 dias, todo o cenário mudou. O coronavírus não tá de bobeira, como diríamos à mesa de um bar carioca. Em menos de 10 dias, o cenário de uma Paris que eu cismo em achar parecida com o meu Rio de Janeiro (tem um povinho marrento, paisagens lindíssimas e é muito difícil encontrar pizza boa) descaracterizou-se completamente. Imagina um Rio sem um boteco para um chopp bem tirado? É a Paris sem cafés. Não tem mais a mesinha com cadeirinha de palha na varanda, pronta para receber quem está sedento por um copo de bom vinho nacional e pela distração de ver a vida passar na cidade, onde o esporte preferido é flanar.
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Tardamos a nos dar conta da gravidade do problema? Sim, mas não nos culpe, não estamos sozinhos, estamos todos meio perdidos nesse planeta em meio ao vírus avassalador. Paris não é mais uma festa. Desde 17 de março, só podemos sair para trabalhar, ir a hospital, comprar o essencial em mercados e farmácias ou se exercitar no quarteirão, sozinha ou com o cachorro.
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Estamos da janela a ver uma Paris sem café e sem “dorsé”, que é como se pronuncia o nome do meu museu preferido, o D’Orsay, fechado até segunda ordem. E sem poder visitar minha vizinha, Madame Eiffel, envio estas palavras de conforto: fiquem firmes, aos que podem, fiquem em casa. Afinal, depois que tudo isso passar, nós sempre teremos Paris (sempre quis dizer essa frase!)
*Ana Paula Cardoso é jornalista do site https://www.cronicasdeparis.com e do instagram @cronicasdeparis