Quem viveu a engajada década de 1970, marcada pela luta por conquistas no campo das liberdades individuais, talvez se lembre que a exibição do corpo nas areias muitas vezes vinha embalada em crochê. Hit nas areias cariocas daqueles tempos, quando ornava diminutos biquínis e tangas, o material salta em 2024 das areias às calçadas. Os nós artesanais estão presentes até em peças de alta-costura, impulsionados pela ideia da sustentabilidade, tão em voga nestes dias.
“O crochê é uma técnica barata e democrática que atravessa gerações e ainda traz uma mensagem forte, ao ser produzido com calma e paciência, na contramão da pressa inerente ao fast fashion”, observa Yamê Reis, coordenadora de design de moda do Istituto Europeo di Design no Brasil (IED Rio), ressaltando que qualquer tecido pode ser transformado em tiras que, por sua vez, viram crochê. Tudo a ver com a busca por uma moda amigável ao ambiente.
Com o sol rachando e temperaturas elevadas, peças leves que priorizam conforto ganham terreno. E é nesta toada que o crochê, com tramas bem abertas, se faz protagonista, seja em vestidos, blusas e calças, seja em acessórios menos óbvios, como sandálias, bolsas e mochilas, aí com os fios em versão mais encorpada. “Optamos por fibras naturais, como o algodão, em modelitos com bastante pele à mostra. O crochê é um recurso rico, artesanal, que dá textura às peças”, esclarece Cris Lucchetti, diretora de estilo da Farm, lembrando que o que poderia soar antiquado se converte em itens cheios de design e toque brasileiro.
“Por serem feitas à mão, essas peças são praticamente exclusivas, levam mais de uma semana para ficar prontas”, ressalta Juliana Leal, diretora criativa da ViX, marca de moda praia que optou por entrelaçar fios dourados nas peças do verão, entre as quais tops que podem ser usados na praia ou na rua.
Diferente do tricô, que necessita de duas agulhas, no crochê os artesãos se munem de apenas uma delas, de ponta arredondada (não à toa, a palavra deriva de “croc”, que significa gancho em francês). Uma corrente acredita que o crochê é tão antigo quanto a própria civilização — inicialmente, seria trançado apenas com os dedos. A popularização, porém, veio só no século XIX, quando a francesa Eléonore Riego de La Branchardiere publicou um livro com padrões que podiam ser facilmente reproduzidos. “Foi bem antes de a indústria da moda ser implementada, possibilitando que as mulheres criassem suas próprias roupas a partir de uma matéria-prima muito simples”, diz Yamê.
Há belos projetos em torno desta arte tecida com agulhas. Surgido na Rocinha, em 2019, o Nós do Crochê impacta mais de sessenta artesãs que produzem de chaveiros a quimonos. “O trabalho vai muito além da geração de renda. Ver mulheres que superaram a depressão dedicando-se ao crochê é uma grande recompensa”, relata Daniela Vignoli, que toca a iniciativa ao lado de Heloisa Cyrillo. Na última edição da feira Carandaí 25, no Jockey, venderam cerca de duas centenas de peças.
A técnica milenar segue despertando o interesse de novos adeptos pelas múltiplas possibilidades que oferece de colocar a criatividade à prova. Ao regressar de uma viagem ao Havaí, as irmãs Julia e Caroline Mauro, à época com 15 e 18 anos, se inspiraram na modelagem dos biquínis que encontraram na costa do Pacífico para criar a Makai, especializada em moda praia. Quase uma década depois, a grife que caiu no gosto da jovem geração Z carioca acaba de ganhar uma loja no Shopping Leblon. Os cabides, é claro, estão coalhados de peças ricas em tramas.
“Nossas clientes dão valor ao trabalho manual e buscam saber como funciona a cadeia produtiva. Detalhamos em um post que uma calça de crochê com aplicações coloridas leva dias para ficar pronta. Aí não deu outra: o produto esgotou em 24 horas”, festeja Caroline. Marcas internacionais, como Prada e Miu Miu, captaram a tendência e, também elas, investiram nos coloridos nós, que se avistam em uma profusão de chapéus e bolsas. Está aí a trama que já atrai os mais variados públicos e aquece o mercado nesta estação de calor escaldante.
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