Quando eu era criança, achava que janeiro era uma espécie de rio. Um mês que parecia um ano. Uma travessia infinita entre as duas grandes terras do calendário.
Pra mim, dezembro e fevereiro eram praticamente todo o sentido da agenda. E os grandes eventos do calendário — Natal e Carnaval, segundo minha “versão anos 80” — estavam separados por uma verdadeira eternidade.
Com o tempo, fui perdendo o apreço por datas impostas. Ao contrário. Comecei a (tentar) fugir da obrigação dos sentimentos coletivos — pra não dizer comerciais.
Abandonei panetones, guirlandas e a assiduidade nos desfiles de escola de samba. Os primeiros dias do ano, no entanto, continuavam, mesmo no meu “modo adulto”, demorando um século pra passar. E não sei se a conta era exclusiva do calor — que, sim, eu detestava.
Sou do time que leva a sério aniversário. Se mudei de personalidade nos departamentos “jingle bells” e “alalaô”, bolos, velas e luzes apagadas nunca saíram do meu pódio de festejos.
Comemorar a existência da gente que eu amo, me parece, desde que o mundo é mundo, um excelente modo de organizar vida e coração. Na minha parede, os meses são marcados com nomes de pessoas. Pessoas, os feriados que, de fato, mais respeito.
Um dia, esse roteiro ganhou uma reviravolta. Porque essa coluna “barra” vida funcionou assim — implicando com o sol a pino — até 2010, quando, mais precisamente no especialíssimo dia quinze “do um”, veio ao mundo, pesando respeitáveis três quilos e meio, meu segundo rebento, que decidi (com a participação especial do pai, rs) batizar com um nome que até hoje me comove: Bento.
Filho é mesmo um acontecimento. Se antes o meu ano começava no mês “dois”, de um segundo para o outro janeiro começou a se apresentar com música de fundo, como se a minha série favorita estreasse nova temporada anual justamente quando os termômetros batessem quarenta graus. Calor, que nada! A temperatura do amor funciona mesmo de outro jeito.
“Comemorar a existência da gente que eu amo, me parece um excelente modo de organizar vida e coração. Pessoas, os feriados que mais respeito”
Escrevo este texto a três dias do décimo quarto aniversário do meu caçula. Meu flamenguista (único defeito!) é agora oficialmente um adolescente e, até hoje, não cumpriu nenhum pré-requisito que me permitisse classificá-lo como parte integrante daquela fase que naturalizamos chamar de “difícil”.
Pra ser sincera, esse bullying dos pais em um momento que costuma ser tão delicado para os filhos me parece grave e injusto desde que eu era a parte de lá. Sair da infância já não era simples sem rede social…agora, então…
Tudo isso pra dizer que atualmente sou devota praticante desse abre-alas chamado janeiro, e que não só aceito, como faço propaganda do pacote todo, completo. O céu sem nuvens, as chuvas, as praias cheias, o ar sem vento, toda a trama me convida a ser uma espectadora absolutamente feliz e engajada.
Meu filho faz catorze e eu me preparo pra um papel incrível, dos melhores que já tive, de uma coadjuvante inesquecível: buscar nas festas e nas resenhas, e aproveitar, até onde der, a possibilidade de vê-lo crescer diante dos meus olhos de janeiro.
Olhos apaixonados e cada vez menos importantes diante do homem que aponta no horizonte. Um cara legal, justo, franco e que, volta e meia — o que finjo me irritar —, liga a TV pra torcer pra um clube que não tem o John Kennedy.