Nos 80 anos de nascimento de Elis Regina, o legado da cantora é celebrado

A artista era de Porto Alegre, passou a maior parte da sua vida adulta em São Paulo, mas o período que viveu no Rio foi determinante em sua carreira

Por Kamille Viola
21 fev 2025, 06h00
Elis Regina
Elis Regina: em 2025, celebram-se os 80 anos de nascimento de uma das maiores cantoras do Brasil (Marcia Santos/Divulgação)
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Quando Elis Regina foi recebida por uma plateia fria, durante um festival em 1973, Caetano Veloso saiu em defesa da colega: “Respeitem a maior cantora desta terra”, bradou. O sentimento do baiano na época era o de muitos brasileiros até hoje. A artista partiu precocemente, aos 36 anos, em janeiro de 1982, mas sua passagem foi tão breve quanto intensa — adjetivo usado frequentemente para defini-la. No dia 17 de março, ela completaria 80 anos, e, para celebrar a data, diversos lançamentos estão previstos: filme, série, quadrinhos, discos.

Isso porque sua figura e sua obra permaneceram vivas na lembrança dos brasileiros durante todos esses anos, atravessando gerações. Basta ver a profusão de trechos de entrevistas suas que pipocam volta e meia nas redes sociais, mostrando que Elis caiu nas graças do público mais jovem. Para a jornalista e pesquisadora musical Chris Fuscaldo, esse sucesso nos dias de hoje tem a ver com o fato de que Elis era uma mulher forte, que bancava suas opiniões, algo que tem tudo a ver com as discussões de gênero dos dias atuais. “Olha o que ela fez pela Rita Lee, indo visitá-la na prisão em plena ditadura e fazendo pressão para que ela fosse solta”, pontua.

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Para dar início às comemorações das oito décadas, uma das novidades é a remixagem do álbum Elis, de 1973, com som imersivo Dolby Atmos, e o relançamento do disco póstumo Luz das Estrelas (1984), que foi restaurado com recursos de inteligência artificial e já teve a primeira das dez faixas, Para Lennon e McCartney, lançada no ano passado.

Quem está por trás desses trabalhos é o primogênito da estrela, o produtor musical João Marcello Bôscoli, responsável também pela série documental Elis por João, a ser lançada pela HBO/Max. “Depois, a gente começa as outras efemérides: no fim do ano tem os cinquenta anos do lançamento do show Falso Brilhante e, em 2026, do álbum homônimo, que trazem músicas como Fascinação e Como Nossos Pais. Então eu vou trabalhar mais um tempo aí com isso, né?”, anuncia.

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Para comemorar: o álbum Elis, de 1973, será remixado; a biografia de Julio Maria ganha edição ampliada; e sai este ano o livro em quadrinhos Elis: uma Fantasia Biográfica
Para comemorar: o álbum Elis, de 1973, será remixado; a biografia de Julio Maria ganha edição ampliada; e sai este ano o livro em quadrinhos Elis: uma Fantasia Biográfica (Fotos Jacques Avadis;/Divulgação)

Na seara literária, a biografia Elis: Nada Será Como Antes (Companhia das Letras), de Julio Maria, ganhou edição ampliada, que chega às livrarias dia 14 de março. Também sai neste ano o livro em quadrinhos Elis: uma Fantasia Biográfica (Record), de Gustavo Duarte, que trabalhou para gigantes do gênero como Marvel e DC, e o documentário Elis com a Palavra, de Allen Guimarães, com direção de Hugo Prata, em que a história é contada a partir de entrevistas e depoimentos da cantora. O filme terá uma tour de lançamento com banda ao vivo.

Além disso, a atriz Bianca Comparato vai produzir um filme sobre os bastidores das gravações do álbum Elis & Tom, de 1974. Bianca, que viveu a Elis da juventude no especial Por Toda a Minha Vida, da Globo, em 2006, conta que costumava ouvir o emblemático disco com o pai, o roteirista e dramaturgo Doc Comparato. “Se você olhar as fotos da época, é sempre ela cercada por homens. Quero contar essa história de uma mulher, em um mundo masculino, conquistando seu espaço e conseguindo trazer a identidade e a voz dela”, explica.

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Elis nasceu em Porto Alegre, passou a maior parte da sua vida adulta em São Paulo, mas o período que viveu no Rio foi determinante para que ela se tornasse a artista que encantou o Brasil. Foi aqui que Elis gravou seus primeiros discos de sucesso — o début, Viva a Brotolândia (1961), saiu quando a cantora tinha apenas 16 anos, sem muita repercussão. Ela lançaria ainda mais dois álbuns que venderam pouco. Em 1964, se mudou para a cidade, onde engatou seu primeiro namoro, de três meses, com um compositor em ascensão: Edu Lobo. No ano seguinte, sua vida começou a se transformar. Por sugestão do produtor musical Armando Pittigliani, da gravadora Philips, passou a apostar mais no samba e na música jovem do período, que viria a ser chamada de MPB.

O disco Samba — Eu Canto Assim (1965), produzido por ele, foi um sucesso. Também teve aulas com o coreógrafo americano Lennie Dale, fundador do grupo Dzi Croquettes, para ganhar mais desenvoltura no palco — foi ele que teve a ideia do gesto em que ela movimentava os braços como se puxasse uma rede de pesca, que se tornou sua marca registrada. “Ela já cantava como ninguém, nunca a vi errar uma nota. Mas era muito tímida. Falei para ela que artistas do mundo todo tinham treinador de expressão corporal e apresentei o Lennie”, diz Pittigliani.

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Parceria: Elis e João Bosco se conheceram no Teatro da Praia, em Copacabana, em 1972, e em dez anos ela registrou mais de vinte músicas dele, como O Bêbado e a Equilibrista
Parceria: Elis e João Bosco se conheceram no Teatro da Praia, em Copacabana, em 1972, e em dez anos ela registrou mais de vinte músicas dele, como O Bêbado e a Equilibrista (./Arquivo pessoal)
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Ainda em 1965, embalada pela vitória no 1º Festival da Música Popular Brasileira da TV Excelsior (essa em São Paulo), com Arrastão, Elis Regina fez temporadas de sucesso primeiro no Bottle’s e, depois, no vizinho Little Club, ambos no lendário Beco das Garrafas, em Copacabana. O show na segunda casa teve como produtores Miele e Ronaldo Bôscoli, com quem ela viria a se casar em 1967, em cerimônia civil, na mansão do casal, na Avenida Niemeyer (que, atualmente, está à venda por 7,5 milhões de reais e pode ser alugada por diárias de 3 800), e religiosa, na Capela Mayrink, no Alto da Boa Vista.

Juntos, eles tiveram um filho, João Marcello Bôscoli, nascido em 1970, na Casa de Saúde São José, no Humaitá. O casamento terminou em 1972, mas Elis jamais deixou de frequentar o Rio, onde teve outros imóveis e passou longos períodos. Para o biógrafo Julio Maria, a cantora adquiriu uma certa carioquice na postura e no jeito informal de ser. “Uma vez, ela encontrou o Cauby Peixoto na rua no Rio, e ele deu uma bronca: ‘Você tem que se vestir melhor, não para você, mas para os seus fãs’. Ela nunca se esqueceu disso, porque ela só andava de chinelo”, descreve ele.

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Mesmo depois de se tornar uma estrela, Elis continuava fazendo programas típicos cariocas, como as idas à praia e à feira. João Marcello conta que, quando ele estudou no Colégio Andrews, por dois anos, ia com a mãe ao restaurante Maria Thereza Weiss, em Botafogo (em um casarão de 1915 que foi demolido em 2022), e ao estúdio da EMI-Odeon, onde Elis gravava, na vizinha Rua Mena Barreto. Ele também recorda de irem muito à Praia da Joatinga, a partir de 1973, quando a cantora, já casada com o pianista, produtor e arranjador Cesar Camargo Mariano, comprou três apartamentos no Joá.

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Em 1978, durante temporada de shows no Rio, a família, que havia aumentando — ela e Cesar haviam tido dois filhos, os cantores Pedro Mariano, em 1975, e Maria Rita, em 1977 —, passou meses na Rua General Urquiza, no Leblon. Nessa época, eles iam à praia na altura da rua onde moravam e eram habitués da churrascaria Plataforma, no mesmo bairro. João Marcello, que tinha 11 anos quando a mãe morreu, concorda que o Rio marcou Elis profundamente. “Foi uma cidade que deixou muitas contribuições, muitos traços na personalidade dela”, acredita.

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O Rio de Elis: o casamento com Ronaldo Bôscoli na Capela Mayrink, no Alto da Boa Vista, e eles na mansão do casal, na Avenida Niemeyer
O Rio de Elis: o casamento com Ronaldo Bôscoli na Capela Mayrink, no Alto da Boa Vista, e eles na mansão do casal, na Avenida Niemeyer (Fotos/Arquivo pessoal)

Foi no Rio que Elis conheceu um dos muitos compositores que impulsionaria ao gravar suas criações. João Bosco foi apresentado a ela no Teatro da Praia, em Copacabana (que hoje abriga uma igreja evangélica), em 1972. Em dez anos, ela registrou mais de vinte músicas dele com Aldir Blanc — a mais notória foi O Bêbado e a Equilibrista, em 1979, que se tornou um hino da anistia. Bosco é mais um a defender que as gravações da artista eram definitivas. “O período entre dar a música à Elis e o disco sair era de muita expectativa: ‘De que maneira ela vai cantar essa canção?’. Era um momento mágico, maravilhoso”, derrete-se ele.

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E, pelo visto, muitas outras interpretações de Elis vêm aí. Em 2023, a cantora foi “revivida” por inteligência artificial para um anúncio em que faz um dueto com a filha, Maria Rita. A repercussão foi tão grande quanto a polêmica, e o vídeo teve bilhões de visualizações. A tecnologia também já permitiu que fosse lançado um dueto póstumo da cantora com Milton Nascimento. Fagner está na fila, e João Marcello quer um com Rita Lee também. O futuro que aguarde a Pimentinha.

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