Enfrentar a pandemia tem sido difícil para todo mundo, mas para Jorge Aragão ela foi especialmente cruel. Aos 72 anos, o cantor apresenta um variado cardápio de comorbidades que deram um contorno ainda mais dramático à sua contaminação pela Covid-19, em outubro de 2020. Cardiopata, com 26 stents no coração, acima do peso e na faixa etária mais delicada para casos de coronavírus, Aragão passou 12 dias internado numa UTI e chegou a ficar com 50% da capacidade pulmonar comprometida. Achou que não ia sair dessa. “Foi assustador, aterrorizador, claro que achei que ia morrer” diz ele a VEJA RIO. Na solidão do quarto do hospital, compôs “2020 d.C”, música sobre a batalha contra o vírus. Ele vai cantá-la pela primeira vez neste sábado (28), no show da turnê Novos Tempos, no Vivo Rio, que marca sua volta às apresentações presenciais.
Você ficou internado por 12 dias no ano passado, com 50% da capacidade pulmonar comprometida. Em algum momento pensou o pior? Não há quem não pense o pior! Claro que eu tive medo de morrer, qualquer um tem. Você começa a se preocupar em ter falta de ar e perceber que pode ser que ali seja o final. Acho que caiu a ficha quando percebi isso: algo tão natural e espontâneo, como o ar, estava faltando. Eu sinceramente não achei que fosse sair. Foi assustador, aterrorizador.
Quando decidiu escrever uma música sobre a Covid? Normalmente, eu não sou muito de escrever sobre um tema que está muito atual não, procuro muito as coisas mais calmas. Mas quando você está internado há muitos dias, e veja bem, com essa comorbidade que eu já trago, a idade, o peso, cardiopata… sinceramente, nunca que você vai imaginar que vai entrar num hospital e vai sair de lá. E a música sempre estava comigo.
Você cantava sozinho no hospital? Por várias vezes eu me pegava cantarolando, ninguém estava ouvindo, mas isso acontecia enquanto eu lutava para sobreviver. O primeiro motivo para fazer essa música foi a solidão, quando bateu a consciência que poderia não me despedir de ninguém. O que acontece é que eu sobrevivi ao ano enfeitiçado – e a música começa assim. Há o respeito aos que se foram, e também há o respeito aos que sobreviveram, como eu.
O que mudou na sua vida depois da Covid? Eu respeito mais ainda as pessoas que estão à minha volta. A minha rotina… (risos) eu não desacelerei, não. Eu parei. Eu estou há um ano e pouco sem trabalhar. Isso é óbvio, e é o mínimo que eu posso fazer também para colaborar. Em casa os meus hábitos mudaram. Até mesmo a maneira de fazer música, alimentação, a hora de dormir. Sempre fui de madrugada. Tudo mudou, assim como todo mundo. A preocupação maior é quanto ao futuro, para poder me posicionar.
Como assim? Preciso saber o que eu vou fazer quando voltar. E, principalmente, como sempre fui um provedor, é difícil entender o que está acontecendo. Por outro lado, o tempo para compor ficou mais exigente e ao mesmo tempo mais democrático.
O que pensa em fazer daqui para a frente? Tenho certeza que vou desconstruir alguns mitos que rolam no meu seguimento. Eu não vejo fronteiras. Se me chamarem de sambista direi que sou pagodeiro; se me chamarem de pagodeiro direi que sou sambista. Tenho muita coisa para fazer este ano e para o ano que vem. É o momento em que eu tenho de me reinventar. Eu não preciso mais de nada para continuar vivendo feliz e em paz. Eu sobrevivi. Estou feliz e realizado. Meu maior desejo é viver.
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