Fabricio Boliveira: “No Rio, o racismo é escancarado”
Morando novamente em Salvador após alguns anos na capital fluminense, o ator fez uma análise sociológica e política na live Cena Carioca, com Rita Fernandes
O ator Fabricio Boliveira foi o entrevistado da live Cena Carioca, apresentada pela jornalista e colunista de VEJA Rio Rita Fernandes, na noite desta segunda (12).
Morando em Salvador, na Bahia, ele falou sobre o que aprendeu na quarentena e contou histórias dos bastidores do filme Breve Miragem de Sol, de Eryk Rocha, em que ele interpreta o protagonista Paulo, um motorista de táxi recém-separado que dirige na noite carioca. Fabrício, durante as gravações, não sabia quem entraria no carro e como seriam as interações com outros atores. O longa está disponível no Globoplay.
+ Festival exibe apresentações de música clássica e dança pelo YouTube
Confira os destaques do bate-papo:
Quarentena
“Sei que sou privilegiado, pude ficar em casa, pensando sobre o meu papel na sociedade. Senti a responsabilidade de repensar o meu lugar no mundo e a minha relação com os outros, sobre empatia… Refleti muito sobre o papel dos entregadores, que foram fundamentais para que a classe média continuasse em casa. O trabalho deles é precário, eles ganham mal e quando a pandemia passar, vai continuar tudo igual. Há um abismo muito grande”
Breve Miragem de Sol
“Durante as filmagens, aluguei um apartamento em Cascadura e vivi por lá. Pegava o trem todo dia para entender sobre aquele povo e tirar o estereótipo da pobreza. Muita gente que vive no subúrbio cursa um faculdade, tem carro, é dono de empresa… Foi importante olhar para cada pessoa em vez de olhar para uma classe. Tiramos os estereótipos do figurino, por exemplo, do homem pobre e negro do subúrbio carioca. Morando lá, tive a impressão de que é o bairro é escuro de propósito, para que as pessoas não frequentem bares, não fiquem na rua à noite. É muito diferente da Zona Sul, parece uma estratégia de controle social absurda e curiosa”
+ Para receber VEJA Rio em casa, clique aqui
Bahia x Rio
Mais de 80% da população de Salvador é negra, estudei em escola particular, porque meu pai trabalhava no polo petroquímico. Na Bahia, principalmente a partir da década de 80, os negros ascenderam e puderam se estruturar na sociedade. Então quando mudei para o Rio, há 13, 14 atrás, me perguntavam o que eu fazia por lá. O racismo ficou explícito. Eu dirigia um carro importado e frequentemente a polícia me parava e me perguntava o que eu fazia da vida, porque um homem negro com um carro daqueles só poderia ser jogador de futebol. Era difícil me encaixar. Falam que o Rio é democrático, mas não é. Eu ia à praia no Vidigal, porque me sentia bem por lá… O engraçado é que fica ao lado do Leblon, que já tem outra galera totalmente diferente.
Política
“Me preocupo muito com quem os cariocas vão eleger para prefeito. Já tínhamos uma situação de extremo machismo, racismo, misoginia, mas de 2016 para cá parece que tudo se aprofundou”
+ Mostra celebra encontro entre Helio Oiticica e Neville d’Almeida
Homens e afeto
“Em Breve Miragem de Sol, eu interpretei um homem que não paga a pensão do filho e é proibido de vê-lo. Durante o processo, escutei muito as mulheres envolvidas na produção. Aprendi muito sobre o feminismo e também sobre a masculinidade. Nós, homens, temos direito ao afeto. Até mesmo homens que têm dinheiro para bancar os filhos têm que se envolver emocionalmente com as crianças e entender que a educação delas é responsabilidade deles”