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Formiga: ‘Apoiando as meninas, vamos derrubar o machismo e preconceitos’

Única atleta do planeta a ter participado de sete Copas, com duas pratas olímpicas e 234 jogos pelo Brasil no currículo, jogadora comentará Mundial

Por Melina Dalboni
21 jul 2023, 07h00
Formiga
Formiga: "No Mundial de 1995, nossa diária era de 5 reais" (Daniela Toviansky/TV Globo)
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Pela primeira vez em 28 anos sem disputar uma Copa do Mundo, Miraildes Maciel Mota, a quem todos conhecem como Formiga, desembarcou no Rio em nova função. Única atleta do planeta a ter participado de sete Copas, dona de duas pratas olímpicas e com 234 jogos pelo Brasil no currículo, a jogadora de 45 anos vai comentar as partidas do Mundial de futebol feminino, que acontece de 20 de julho a 20 de agosto na Austrália e na Nova Zelândia. Para estrelar a cobertura pelo SporTV, ela veio de São Paulo com a esposa, Erica Jesus, com quem se casou no início do ano, e a shih tzu Layla. Entre uma e outra partida, sua temporada carioca promete incluir corrida na orla e treino na areia, já que em setembro ela volta a vestir a camisa verde e amarela para brigar pelo país no Mundial de Fut7, no México. Atualmente sem clube, desde que deixou o São Paulo, em dezembro, em meio a críticas pela falta de estrutura para a equipe, a craque avalia propostas para atuar na Arábia Saudita. “Seria mais uma missão poder incentivar as mulheres de lá a jogarem futebol”, pondera. Nesta conversa com VEJA RIO, Formiga conta como conseguiu driblar a violência e o preconceito para cravar o nome no panteão global do futebol feminino.

Quando começou a sofrer preconceito por jogar futebol? Aos 11, 12 anos. Apanhei demais dos meus irmãos mais velhos. Levava pontapés e socos. Eles não queriam que eu jogasse com os meninos. Os vizinhos também falavam que eu ia aparecer grávida, que ia virar marginal por jogar futebol com os meninos. Mas, quanto mais falavam, eu fazia o dobro.

Também foi estigmatizada por namorar mulheres? Já no futebol profissional, ouvi coisas do tipo “sapatão aqui não joga”, “cabelo curto aqui não fica”. Queriam que eu usasse maquiagem, alisasse o cabelo, deixasse crescer. Se eu soubesse, no dia seguinte eu aparecia de cabeça raspada. Sempre fui rebelde. Comprei muita briga por causa disso. Não vou mudar porque um homem quer ou para agradar o diretor, o presidente. Nunca deixei que mandassem na minha vida.

O preconceito e o racismo são os grandes adversários do futebol feminino? Sim, e as coisas só vão mudar quando começarem de dentro para fora. As federações, confederações e os clubes precisam agir para conscientizar os atletas de que todos somos iguais, para ensinar como abordar o assunto e de que maneira se proteger. Não basta o público erguer faixa, a gente dar entrevista. É um problema estrutural que precisa ser combatido.

Na volta do Paris Saint-Germain para o São Paulo, onde estreou na carreira, nos anos 1990, você comentou que não houve evolução na estrutura do futebol feminino. Isso compromete a formação de novas atletas? Com certeza. Na década de 1990, a gente tinha até mais estrutura do que agora. Como é que se pode regredir de uma maneira dessas, ainda mais em se tratando do clube que é? O mais triste é que, quando você chega para conversar com a diretoria para falar de melhorias, para ajudar, tentar encontrar soluções para fortalecer o esporte, as pessoas zombam.

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Ao se aposentar da seleção, em 2021, afirmou que “não tinha mais paciência para certas coisas”. A que se referia? À falta de respeito. Ainda tratam as jogadoras como prestadoras de serviço, como se a entidade estivesse dando uma oportunidade para a atleta ganhar um prato de comida. Sim, a gente já ouviu isso lá atrás e vai enchendo o saco. E quando você faz reuniões para mudar certas coisas, exigir o que é nosso de direito, e nos tratam como mercenárias? Mercenárias, como? No Mundial de 1995, nossa diária era de 5 reais.

“Ouvia coisas do tipo ‘sapatão aqui não joga’. Queriam que eu usasse maquiagem, alisasse o cabelo, deixasse crescer. Se eu soubesse, no dia seguinte eu aparecia de cabeça raspada”

O que achou do fato de Marta ser apontada como a jogadora de futebol mais rica do mundo, apesar de ganhar 100 vezes menos que Neymar? Eu até brinquei com ela antes de a seleção embarcar para a Copa: “Me empresta um dinheiro aí, tá rica?”. Ela começou a rir. As pessoas pegam uma coisa e soltam. Ela já foi a melhor do mundo seis vezes, têm seus patrocinadores, mas isso não quer dizer que ela seja rica, rica. O que há, sim, é uma diferença de salário enorme com o futebol masculino.

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Fica nervosa no papel de comentarista? A Renata Silveira (primeira mulher no Brasil a narrar uma partida de Copa do Mundo na TV aberta), e ex-atletas, como o Caio Ribeiro, me deram dicas de como me soltar. Ainda estou um pouco presa, sou bastante tímida, mas aos pouquinhos vou indo.

Por conhecer todas as jogadoras, é possível que alivie as críticas? Vou falar com todo o cuidado do mundo, mas não posso deixar de dar a minha opinião. Se a atleta não estiver bem naquele dia, por eu conhecer sua capacidade, vou cobrar até para que ela possa ouvir e refletir. Já estive do outro lado, sei como é.

Dessa vez acredita que conseguiremos o feito inédito de levantar a mais prestigiada taça do futebol feminino? Todos os adversários vão ser difíceis. Será preciso manter concentração e postura jogo a jogo, mas estou confiante. Acho que as jogadoras desta seleção estão vindo mentalmente mais preparadas.

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Técnico tricampeão da Libertadores de futebol feminino, Arthur Elias afirmou certa vez que o “futebol não devolveu tanto quanto Formiga doou para ele”. Concorda? A gente vive num país que só reconhece o talento e o esforço de um atleta quando ele morre. Estamos evoluindo aos poucos. Hoje já vemos ex-atletas sendo treinadoras, ocupando espaço dentro da CBF, que era uma luta grande nossa. Mas ainda tem muito trabalho pela frente.

Como o público pode ajudar a fortalecer o futebol feminino? Os torcedores têm que ir aos estádios, prestigiar não só a seleção, mas os jogos, os campeonatos. Apoiando as meninas, vamos derrubar o machismo e todos os preconceitos que estão no nosso campo.

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