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Digo, logo existo: frases em neon levam diversão e curtidas a restaurantes

A moda de estampar dizeres nas paredes dá personalidade aos estabelecimentos e cria cenários propícios a postagens diversas nas redes sociais

Por Pedro Landim
15 jul 2022, 08h00
Decoração em sintonia com o cardápio na brasa: no Clan BBQ, de Janine Saad -
Decoração em sintonia com o cardápio na brasa: no Clan BBQ, de Janine Saad - (Leo Lemos/Veja Rio)
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O filósofo e matemático René Descartes (1596-1650), uma das grandes mentes precursoras do Iluminismo, levantou muitas hipóteses acerca do funcionamento da vida à sua volta, mas dificilmente imaginaria que tantos séculos depois sua mais famosa frase surgiria iluminando (com o perdão do trocadilho), em neon, a fachada de um bar no Rio de Janeiro — só que ligeiramente adaptada a estas praias. O “Penso, logo belisco” fica instalado em uma parede estratégica do Belisco, um novo bar de vinhos de feições contemporâneas, tanto no cardápio como na decoração, no Baixo Botafogo. É apenas uma amostra dos diversos estabelecimentos onde palavras bem iluminadas estão dando o que falar e postar.

Nesta era em que a experiência à mesa vai muito além da comida e da bebida, ambiente e cenário, sim, importam — e ganham valor ao render curtidas em profusão nas redes sociais. No Clan BBQ, onde tudo passa pela churrasqueira, o lema da casa, no Leblon, vai direto ao ponto em um bem aceso letreiro: “Não apague meu fogo”. Aí está uma dica do que está por vir. “A pessoa lê e já sabe que está num restaurante despojado, menos careta. Temos o sofá de couro, o balcão de mármore e também o neon, com a frase que pode ser vista de todo salão”, diz a proprietária, Janine Saad. “Ele não tem só o sentido sensual, mas significa algo do tipo: não corte a minha onda”, explica.

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Criar um cenário instagramável, que atraia interesse nas redes, virou tendência em negócios de um variado leque de segmentos, de lojas de moda a festivais de música. A receita é simples: as imagens geram curtidas e comentários, que se tornam uma espécie de cartão de visita e, não raro, provocam um poderoso boca a boca virtual, tempero fundamental para chamar atenção nestes dias e atrair mais clientela. Colado no Belisco e vestido em luz negra, LEDs e neons, o bar Culto recebe o público com uma placa acesa e dizeres que sacodem as redes, além de cutucar quem passa pela área: “Se você não é racista, homofóbico, sexista ou um idiota, bem-vindo”. Ali, Pedrinho Aliperti retoma a atmosfera combativa do extinto Caverna, que exibiu visual marcante quando o Instagram ainda engatinhava: “Fuden… sua dieta”, brincava o nada discreto neon da casa antiga, também em Botafogo. E ele segue intacto: “A pessoa que se ofende com a placa, de fato, eu não quero no bar. Não dá mais para ficar em cima do muro. Homofobia e racismo são crimes”, afirma o empresário.

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O novo Bazzar à Vins: peças de desenho moderno saltam aos olhos em meio à arquitetura clássica do casarão de Ipanema -
O novo Bazzar à Vins: peças de desenho moderno saltam aos olhos em meio à arquitetura clássica do casarão de Ipanema (Rodrigo Azevedo/Divulgação)

Pavor da turma conservadora, frases que unem sexo e humor são um bom fermento para as redes sociais — afinal, na cartilha da internet, não basta postar, tem de causar, chamar atenção, gerar muitos comentários. Com mais de 185 000 seguidores, a loja La Putaria, em Ipanema, tem como etapa quase que obrigatória na degustação de waffles em formatos de genitálias as fotos sublinhadas por frases como “Maior do que o do teu namorado”, que os clientes não se cansam de postar. No bar de vinhos Medusa Urbana, com DJs e samba-jazz ao vivo, vê-se, flutuando sobre a cortina vermelha, uma palavra em neon moldado em letras cursivas: “Lambe”. Jan David, o dono, conta que o objeto fazia parte de uma exposição e acabou ficando, como um talismã. “As pessoas tiram fotos lambendo a taça ou mesmo os amigos. E dá-lhe postagens. Uma palavra bem colocada é mídia gratuita”, ensina David. No animado Rua Bar, em Botafogo, com painéis de grafite e LEDs coloridos, a ideia é agitar a bandeira da inclusão e banir preconceitos, o que dá o tom das noites de música ao vivo e dos stand-ups, emoldurados por um neon azul que exclama em cima do bar: “Eu sou f*da” — assim mesmo, com o asterisco.

arte Restaurantes

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Como se vê, mais do que criar recantos pensados para a fotografia, os dizeres que iluminam bares e restaurantes procuram transmitir a identidade do local, suas origens e valores. Já existe até uma certa ciência para isso. Nesse balaio das mensagens que demarcam território, a linha, digamos, mais fofa vai bem nas cafeterias, boulangeries e creperias, que adoçam francesamente o ambiente com um “Oh là là”, por exemplo, como na Amélie Crêperie. Na casa antiga de Botafogo, uma parede de tijolos aparentes sobre mobiliário vintage é o suporte do neon branco com suas letras maiúsculas, sacada da restauratrice Sálua Bueno, sócia também do Belisco, aquele em que Descartes provavelmente se espantaria com o “Penso, logo belisco”. “A postagem no Instagram é consequência de uma soma de fatores, mas o cenário, claro, ajuda”, diz Sálua, do Amélie. Para a arquiteta Bel Lobo, responsável pelo ambiente de alguns dos mais belos restaurantes da cidade — Oteque, Bazzar à Vins e Casa Camolese na lista —, o modismo do neon está perfeitamente alinhado com os novos tempos: “Além de dar um ar descolado, ele traz luz, alegria, é o que todos estão buscando neste momento”, observa.

Muitas árvores: no salão do italiano Casa Tua, na Barra -
Muitas árvores: no salão do italiano Casa Tua, na Barra (Lipe Borges/Divulgação)

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A pandemia, sempre ela, é responsável por ditar ainda outras tendências de decoração (veja no quadro). No italiano Casa Tua, recém-aberto na Barra, árvores foram plantadas dentro do salão, trazendo a natureza para perto das mesas, enquanto o Bazzar à Vins, novato em Ipanema, faz a bela junção do clássico imóvel com o moderno mobiliário no aconchegante salão. Já os letreiros que iluminam as boas mesas da cidade conquistaram ainda o novo Bar do Adão, com recente filial aberta no Flamengo. Lá, avista-se em uma das paredes um convite à união de três paixões locais: “Pastel e futebol? Deu samba!”. Na Mia Cookies, em Ipanema, os quitutes vêm acompanhados da gíria internética, sobre a turma que faz de tudo por uma curtida ou um elogio: “Somos todos biscoiteiros”. Detalhe: ela foi estrategicamente posicionada sobre um banco amarelo onde os comensais podem se sentar e sorrir para as câmeras. A estratégia é reproduzida pelo Otra Bar, que instalou um letreiro luminoso com os dizeres “Otra selfie” em cima de um espelho para quem quiser fazer (e depois postar) os populares autorretratos. Afinal, na era da experiência, em que as pessoas não querem apenas comprar serviços e produtos, esse tipo de ingrediente é fundamental para fidelizar e atrair novos clientes.

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