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Recluso no Copa, Jorge Ben Jor tem novo disco pronto para ser lançado

Cercado de mistério, o cantor passa a pandemia isolado no Copacabana Palace. Mas calma lá: discos engavetados ainda podem voltar a animar a festa

Por Bernardo Araujo
Atualizado em 16 abr 2021, 13h47 - Publicado em 16 abr 2021, 07h00
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  • Ai, que loucura! Quem acessa o YouTube para assistir à entrevista concedida por Jorge Ben Jor a Narcisa Tamborindeguy (a socialite lembrada pela eufórica exclamação) em fevereiro de 2020, às portas da pandemia, pode até ter a impressão de que ele adora esse tipo de papo, uma resenha marota sobre sua vida. Mas Babulina, apelido do cantor, compositor e músico carioca, é escorregadio e ultradiscreto: encastelado há três anos no Copacabana Palace, ele mal é visto nas áreas comuns do hotel. Raramente concede entrevistas, quase não usa redes sociais, passou incólume pelo fenômeno das lives no confinamento e ninguém sabe ao certo quando tomou a vacina — se foi nas datas reservadas à turma de 75, 78 ou 82 anos. Como assim?

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    “Ele sempre disse que tinha nascido em 1942, mas ultimamente jura que é de 1945”, explica Kamille Viola, autora de África Brasil: Um Dia Jorge Ben Voou para Toda a Gente Ver, lançado no fim de 2020 com a história do álbum de 1976 que dá nome ao livro. Nas pesquisas, a jornalista encontrou uma certidão de nascimento com novas informações. Jorge Lima de Menezes (e não Jorge Duílio, como sempre se apresentou) teria vindo ao mundo em 22 de março de 1939 — ou seja, fez 82 anos no mês passado, de acordo com o documento. “É mais um dos mistérios que o cercam. O Tim Maia, inclusive, vivia brincando com ele por causa da idade duvidosa, já que os dois eram da mesma turma da Tijuca, com Roberto e Erasmo Carlos”, diz Kamille.

    Com Gilberto Gil e Roberta Sá, em 2019: sua última gravação antes da pandemia -
    Com Gilberto Gil e Roberta Sá, em 2019: sua última gravação antes da pandemia – (./Divulgação)

    Quando o Copa fechou as portas, nos primeiros meses da pandemia, ficou no ar a pergunta: “E Jorge, para onde vai?”. Mas logo o hotel confirmou que ele ficaria ali mesmo, junto com a então diretora Andrea Natal, sua amiga, e uma equipe reduzidíssima. O astro mora no hotel desde que iniciou uma reforma na sua casa, na Barra da Tijuca, em 2018, e nunca mais regressou à Zona Oeste. O apartamento onde vive atualmente fica no prédio anexo, uma espaçosa suíte com quarto, sala e varanda com vista para o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar e “um pouquinho do mar” — como mencionou em rápida passagem pelas redes. A decoração é bem afinada com o residente: um enorme mural de São Jorge, santo padroeiro do artista, inspiração da música Jorge da Capadócia, estampa uma das paredes.

    Apesar de ter cozinha no aposento, Ben Jor costuma pedir comida dos restaurantes do Copa, geralmente pratos simples como picadinho, um de seus favoritos. Enquanto Andrea estava lá (ela saiu em novembro de 2020 para assumir o Fasano de Nova York), os dois se frequentavam, jantavam juntos e se faziam companhia. Na era pré-pandemia, os convescotes promovidos pela diretora no hotel eram dos únicos momentos em que se avistava o morador ilustre circulando entre hóspedes e convidados. Certa vez, ele apareceu quase de pijama para puxar o Parabéns para Andrea numa festa à beira da piscina — não demorou muito, voltou para o quarto.

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    Ele deu o ar da graça (a distância), em junho do ano passado, no estrelado clipe de Andar com Fé, que celebrou os 78 anos de Gilberto Gil ao lado de artistas e nomes de peso da música — Stevie Wonder entre eles. Sozinho e pouco habilidoso com a tecnologia, Ben Jor pediu socorro a uma funcionária do hotel, que gravou o vídeo do corredor, sem entrar no quarto. Mascarado e de óculos escuros, ele então cantou o refrão e felicitou o “cumpadi”. Os dois velhos amigos voltaram a compor juntos em Ela Diz que Me Ama, entoada por Roberta Sá no disco Giro (2019), 44 anos depois do histórico Gil e Jorge, considerado um dos 100 melhores discos da música brasileira pela revista Rolling Stone.

    Um disco novo, inclusive, estaria a caminho, com canções inéditas que começaram a ser gravadas em 2014, mas que ainda não viram a luz do dia. “Está mixado, masterizado e é lindo. Falta só ele liberar”, diz um dos músicos envolvidos. Informações de bastidores dão conta de que a obra envolve músicos da Banda do Zé Pretinho, que acompanha Jorge, e teria sido gravada em Los Angeles, com o baixista e velho amigo Dadi no comando. Dadi, por sua vez, despista. Não confirma, porém não nega — e sai pela tangente com histórias de outros tempos. “Minha primeira viagem ao exterior foi com o Jorge, em 1975”, lembra o músico, que tem no currículo os Novos Baianos, A Cor do Som, Marisa Monte, Caetano e mais dúzias de nomes graúdos.

    A vista do anexo do Copacabana Palace: onde Ben Jor vive desde 2018 -
    A vista do anexo do Copacabana Palace: onde Ben Jor vive desde 2018 – (./Divulgação)
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    A tal viagem tinha como destino uma temporada no Olympia, a mais antiga sala de espetáculos musicais de Paris. Os shows foram como um conto de fadas: plateia lotada, cartazes pela cidade, tratamento de pop star. A temporada rendeu o disco ao vivo Jorge Ben à l’Olympia, lançado pela gravadora Philips, hoje fora de catálogo (e das plataformas de streaming, a não ser pelo YouTube, em versão pirata). De lá, Ben Jor e banda foram para Londres, onde o produtor Chris Blackwell, fundador da gravadora Island, ambicionava fazer dele o que tinha acabado de conseguir com um jovem jamaicano de nome Robert Nesta Marley, vulgo Bob: forjar um astro do Terceiro Mundo.

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    “Eu nunca tinha visto um estúdio tão bem equipado. Eram oito canais só para os meus tambores. Aqui no Brasil a gente tinha oito para todos os instrumentos. Um sonho”, recorda o baterista Gustavo Schroeter. A ida à capital inglesa, no entanto, começou com um tropeço. No embarque, em Paris, o cantor e Domingas, sua mulher — com quem até hoje é casado, embora ela viva nos Estados Unidos —, não estavam no avião no momento da partida. O empresário e produtor Armando Pittigliani foi atrás do casal, e os três acabaram perdendo a viagem.

    Décadas mais tarde, há quem especule que era o primeiro sinal de que o compositor não estava feliz com o projeto. Resolvido o problema do voo perdido, Ben Jor chegou, reclamou do hotel e se iniciaram as gravações, produzidas por Robin Geoffrey Cable (morto em 2020, ele foi engenheiro de som de discos de Elton John, Genesis e Carly Simon, entre outros, além de produtor). O disco sairia com o nome Tropical, em 1976, primeiro no exterior e depois no Brasil, mas não foi promovido pelo artista, e hoje é raridade. Caixas e reedições da obra do medalhão da MPB não incluíram Tropical nem Jorge Ben à l’Olympia.

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    “Quase ninguém conhece o disco, não foi badalado como deveria. Uma pena, porque é histórico, marca a troca do violão pela guitarra, que o Jorge toca até hoje”, lamenta Schroeter, o baterista. Ele e Dadi ainda seguiram juntos na banda Admi­ral George V (batizada em homenagem ao hotel Jorge V, em Paris) por alguns anos, formaram A Cor do Som e aí trilharam seus caminhos, que em várias ocasiões os conduziram novamente a palcos com Jorge. “Um dos momentos mais bonitos foi a gravação do Acústico MTV, de 2002, que reuniu as duas bandas”, relembra Schroeter. Mas há uma esperança: em uma colagem das capas de seus discos que postou no Instagram no fim de 2019, Ben Jor incluiu o esquecido Tropical, com o desenho de um pavão.

    Arte Jorge ben

    Nascido em Madureira e criado no Rio Comprido, Jorge (Duílio?) Lima Menezes cresceu em um ambiente musical. Aos 13 anos ganhou um pandeiro do pai, Augusto, estivador e integrante do bloco Cometas do Bispo, onde o filho também brincava. A mãe, Silvia, tocava violão e apresentou a ele os sons africanos — segundo alguns relatos, ela era nascida na Etiópia; em outros, o africano seria seu pai, avô de Ben Jor —, que marcaram suas composições ao longo de quase sessenta anos de carreira. Desde a estreia, com Samba Esquema Novo (1963), o cantor, que tinha a bossa nova como referência inicial, inovou ao mudar a levada do samba e somar-lhe elementos de maracatu, rock, pop e das batidas dos terreiros, que convivem, em sua obra, com as escalas musicais aprendidas em um colégio de padres.

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    As levadas dançantes, unidas a letras ora vistas como geniais, ora como pueris, levaram-no a conquistar o mundo e gerações de artistas, do rapper Mano Brown ao manguebeat de Chico Science e Nação Zumbi, entre tantos outros. Mais de meio século após sua gravação original (no mesmo Samba Esquema Novo), Mas que Nada conta com dezenas de versões, a partir de uma adaptação de Sérgio Mendes com o grupo Brazil ‘66, registradas por Ella Fitzgerald, Trini Lopez, Milton Nascimento, Black Eyed Peas, Raça Negra, para dar alguns exemplos.

    Com três dezenas de discos, dúzias de hits e uma bruma de mistério — a mudança do nome, de Jorge Ben para Benjor e depois Ben Jor, no fim dos nos 1980, foi explicada de formas diferentes —, o músico e A Banda do Zé fizeram seus últimos shows na Austrália, em março de 2020, antes da reclusão total. Nestes tempos, ele emitiu sinais de vida aqui e ali. Em abril passado, postou um vídeo em sua conta no Instagram saudando São Jorge (que é comemorado no dia 23 do mês) e esbanjando a simpatia habitual aos seguidores.

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    Em março agora, publicou um vídeo da chuva caindo com o texto: “Ficar em casa ainda é uma boa ideia e, cá entre nós, nada melhor que escutar uma boa música para alegrar os ânimos”. Se a pandemia permitir, Ben Jor voltará muito em breve a alegrar os ânimos. Há dois shows marcados e com ingressos à venda, um em julho, em Portugal, e outro em agosto, em São Paulo. Jorge sentou praça no Copacabana Palace, mas já, já ele volta.

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