Livro reúne fotos surpreendentes de grandes nomes da MPB nos anos 1970
A fotógrafa baiana Thereza Eugênia coleciona cliques íntimos de grandes estrelas como Caetano, Maria Bethânia, Maysa e outros
Caetano aceitou o convite sem pestanejar: “Eu morava no Horto e ele, no Jardim Botânico. Disse: ‘Vamos lá em casa’. Ele foi, eu joguei umas almofadas e uma pluma de pavão, e dali saíram umas fotos lindíssimas”, lembra a fotógrafa baiana Thereza Eugênia Paes.
Com Maria Bethânia, o ensaio também foi proveitoso: “Um amigo da Bahia me levou à casa dela. Na época, era só entrar nos shows e fotografar, ninguém perguntava nada, era tudo muito familiar”, recorda. Estrela de uma temporada no Canecão, Maysa desembarcou da Espanha direto para a praia. “Me indicaram para ela e fui clicá-la, lindíssima, na Avenida Atlântica. Era uma pessoa adorável.”
As histórias por trás das imagens de Thereza Eugênia, reunidas no recém-lançado livro Portraits 1970-1980 (Barléu Edições), são tão saborosas quanto os próprios registros em preto e branco — um acervo de valor histórico que perpassa um dos períodos mais fervilhantes da música popular brasileira, revelando a intimidade de seus astros. “A Thereza tem tanto prazer em fotografar que não considera essa atividade um trabalho”, pontua o poeta e membro da Academia Brasileira de Letras Antonio Cicero, que assina um texto da obra.
Essa, aliás, não era sua principal atividade. Nascida em 1939 em Serrinha, no sertão baiano, Thereza Eugênia Paes trabalhou primeiro como enfermeira, formada pela Universidade Federal da Bahia, em Salvador. Ela veio para o Rio em 1964, sempre com a fotografia na cabeça.
Aterrissando aqui, comprou uma máquina Werra, alemã, baratinho, e, ainda na enfermagem, exercia seu hobby pela cidade. Foi através do produtor musical Guilherme Araújo (1936-2007), responsável por alguns dos shows mais importantes da época, de quem ficaria amiga, que passou a registrar os espetáculos, a movimentação nos camarins, os encontros entre amigos nos bastidores.
Assim foi ganhando intimidade com o universo da MPB, que lhe rendeu cliques antológicos, como os de Raul Seixas e seus óculos redondos, Wanderléa em momentos femme fatale e Ney Matogrosso sem camisa, com contas douradas ornando seu corpo e um cigarro entre os lábios de batom. “Descobri essas imagens quando estava fazendo a fotobiografia de Chico Buarque (Revela-te, Chico, Editora Bem-te-vi, 2019) e fiquei encantado”, conta Augusto Lins Soares, organizador do livro.
Entre Recife, onde Augusto mora, e o Rio, os dois foram amadurecendo a ideia de Portraits, que já mostrava seu potencial através das redes sociais, onde Thereza vem compartilhando parte de sua rica coleção com quase 20 000 seguidores. O objetivo, desde o início, era estabelecer um recorte, explorar um período, e não montar um portfólio da sua carreira.
“Pensamos então nessa década, os anos 1970, tão essencial para a música brasileira, da qual Thereza tem um material gigantesco”, diz Augusto. As fotos foram organizadas por ordem alfabética, de Alcione a Zizi Possi (que aparece com a bebê Luiza no colo), além de Jorge Mautner, Clara Nunes e Simone, todas autorizadas pelos próprios ou seus herdeiros.
Até Roberto Carlos está lá, durante temporada no Canecão em 1970. “Eu nem tinha máquina para fotografar um lugar daquele tamanho, peguei emprestada a do Maneco Valença, produtor da casa, e ele mesmo reclamou que ‘essa menina nem sabia segurar a câmera’”, lembra Thereza, rindo.
Resultado: o Rei gostou das fotos feitas com a câmera emprestada e escolheu uma para a capa do disco que traz a inesquecível faixa Jesus Cristo. “Um tempo depois, fui com Tom Zé e a irmã dele, Estela, à casa de Roberto no Leblon, ele abriu a porta e eu me apresentei, dizendo que era a autora da foto”, recorda.
Com esse cartão de visita, o trabalho de Thereza Eugênia passou a figurar em capas de LPs antológicos em sequência: Drama 3º Ato (1973), de Maria Bethânia, Temporada de Verão (1974), de Gal, Caetano e Gilberto Gil (1975) e Gal Canta Caymmi (1976).
Algumas dessas imagens estão no livro, que ainda traz um bloco chamado “Studio MPB”, uma espécie de coluna social da época, com saborosas imagens de bastidores. Ali estão um bigodudo Caetano abraçado a Regina Casé, Lulu Santos ao lado do parceiro Nelson Motta e a jovem Sônia Braga (que será retratada no próximo livro de fotos organizado por Augusto Lins Soares) com a baiana Simone.
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A pandemia deu uma freada em Thereza, hoje com 81 anos, que aguarda ansiosamente a hora de dar aquela saída para ver um show com sua pequena câmera Leica. “Ela é bem compacta, faz um barulhinho, mas não chega a incomodar”, informa a incansável fotógrafa da MPB.