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“Agora posso viver meu luto”, diz Glória Perez

Aos 73 anos, três décadas após assassinato brutal da filha, novelista emerge de mergulho profundo em arquivos e memórias para série sobre o crime no HBO Max

Por Melina Dalboni
19 ago 2022, 07h00
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  • Embora esteja imersa em sua novela, Travessia, a próxima trama das 9 da Globo, com estreia marcada para outubro, Gloria Perez anda envolvidíssima com a exibição da série Pacto Brutal: o Assassinato de Daniella Perez, recém-lançada pela HBO Max e atualmente uma das mais assistidas no streaming brasileiro. O documentário traça com riqueza de detalhes o macabro enredo do crime que abalou o país em 1992, quando sua filha foi cruelmente assassinada, aos 22 anos, pelo colega de elenco Guilherme de Pádua, e a mulher, Paula Thomaz. A luta da mãe por justiça está toda lá, costurada com um depoimento franco e tocante da novelista, que já ganhou o Emmy Internacional. Para revolver o drama três décadas depois, foi necessário mergulhar em um extenso arquivo pessoal, pela primeira vez revelado. “Ao fazer esse resgate, eu mostro quem a Dani foi de verdade”, diz.

    Nesta entrevista a VEJA RIO, ela conta que ainda guarda a sapatilha de ponta cor-de-rosa da filha, também dançarina, que levou para o julgamento como uma forma de fa­zê-la presente. Um pé ficou com Gloria, o outro foi dado ao advogado criminalista Arthur Lavigne, que conduziu o processo, como agradecimento. “Por mais duro que tenha sido remexer tudo isso, valeu a pena. Agora posso viver meu luto”, afirma a novelista de 73 anos.

    A série mostra que, à época, a senhora investigou pessoalmente o crime. Por que fez isso? Eu não tinha em quem confiar. Sabia que minha filha nunca iria àquele lugar onde o corpo foi encontrado. Ela tinha tanto medo de escuro quanto eu tenho de barata. Nunca estaria ali por vontade própria.

    Por que resolveu tanto tempo depois remexer um passado tão doloroso? Para mostrar a verdade às pessoas. E finalmente elas começaram a entender o que aconteceu. Durante muitos anos, o assassinato da Dani foi tratado como um capítulo de novela. Mas quando você resgata as pessoas reais — e não as trata como personagens, como ocorreu na cobertura do crime —, tudo fica mais claro.

    O resultado a agradou? Sim. Tudo o que eu sempre quis foi sair do folhetim para que as pessoas vissem exatamente quem era a Dani, quem ela foi e o que se passou durante o processo. Nada do que os assassinos disseram se sustentou no tribunal.

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    Na série, uma de suas afirmações é de que aquelas punhaladas eram direcionadas à senhora e que sente culpa até hoje. Por quê? É uma culpa absurda. Eu preferia ter levado as punhaladas no lugar dela. Por que eu não estava lá? Por que eu não fui aos estúdios? Mãe sente culpa. Se um filho cai e você não está em casa, se pergunta: por que eu não estava presente? E, no caso do assassinato da Dani, o alvo era eu. Fui eu que frustrei o sonho de grandeza dos psicopatas, ao tirar o Guilherme da trama. Que pena que não fui eu no lugar dela.

    “Para contar uma boa história, o importante é tocar no que há de humano. Se você consegue fazer isso, atinge a todos”

    O que achou das declarações de Guilherme de Pádua após o lançamento da série, queixando-se de não ter sido ouvido? Ele quer holofote, mas não existe mais nada a polemizar. O caso está transitado em julgado. Não tem versão, tem sentença — e ela foi toda mostrada na série. Se ele tivesse algo a dizer, contestar, ele processaria o Estado por ter ficado preso. Não fez isso porque o crime saiu barato demais para os assassinos.

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    O que a motivou a manter-se de pé depois de tudo o que passou? Meu Deus, não sei. Até hoje não sei como não morri junto, mas eu tinha outros dois filhos. Não podia abandoná-los para me entregar só à minha dor. Acredito que foi a necessidade de ser forte que me manteve viva.

    O trabalho, com o qual seguiu, a ajudou? Foi minha muleta. O tipo de atividade que eu faço me permitiu estar um pouco no mundo da fantasia e sair da dureza da minha realidade.

    Tem vontade de escrever para o streaming, como tantos autores vêm fazendo? Escritor é um contador de história. Escrevo para o lugar que for.

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    O que é indispensável ao criar uma trama? Se você contar uma boa história, as pessoas vão querer ouvir. Isso sempre foi assim, seja no roteiro da série americana, seja no de uma novela brasileira. Você vê uma tragédia grega e se emociona em qualquer lugar do mundo. O importante é tocar no que há de humano. Se consegue fazer isso, atinge a todos.

    Travessia, sua próxima novela, foi antecipada. Gostou da ideia de vê-la mais cedo no ar? Não, foi um problema. Estava prevista para março de 2023 e agora será exibida em outubro. Significa que tenho de correr, que tenho menos tempo de preparação.

    Por que escolheu a atriz Lucy Alves como protagonista? Ela é uma atriz fantástica e, finalmente, agora consegui trabalhar com ela.

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    Houve críticas à escolha de Jade Picon, ex-BBB, para o elenco. Opinou na escolha dela? A Jade fez um teste como muitas outras meninas fizeram, e se saiu muito bem. Se não gostarem dela, que apedrejem, mas depois de ver. Que coisa preconceituosa, não? Temos muitos outros atores que surgiram assim. Óbvio que a pessoa tem de se preparar, uns fazem isso antes, outros têm o talento e se preparam ao longo do processo. Eu não vejo nenhum problema em ela ter aparecido no BBB.

    Suas novelas são conhecidas por agitar bandeiras sociais. Qual é a da vez? Nós vamos tratar dos cadeirantes, mas não me pergunte muito mais. Vou falar pouco de Travessia. Não quero misturar os assuntos. Agora, meu foco é a série sobre a Dani.

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