A pandemia pôs Maitê Proença freneticamente de frente para o computador. Além das lives que conduziu pelas redes, a atriz aproveitou o isolamento para escrever um novo livro, previsto para sair em abril. Em O Pior de Mim, ela conta detalhes sobre o abuso sofrido aos 10 anos por um motorista de ônibus, o assassinato da mãe a facadas pelo próprio pai, que cometeria suicídio dezenove anos mais tarde, e do irmão viciado em álcool. Das confidências passadas ao papel, surgiu a peça homônima, encenada inicialmente on-line, em razão das medidas sanitárias que se fizeram necessárias pela Covid-19, e que agora aterrissa no palco do Teatro Prudential com sessões presenciais a partir de 1º de abril (a estreia, marcada para 25 de março, foi adiada, pois a atriz contraiu laringite de origem viral e ficou sem voz)
+ Mais cara casa à venda no país custa 220 milhões de reais. Quem compra?
Embora trate de questões delicadas e doídas, o espetáculo, ela avisa, traz uma mensagem otimista. “Eu jamais faria algo para baixo numa hora dessas. O público não tem mais estômago depois de uma pandemia, deste governo e ainda de uma guerra”, diz Maitê, que, aos 64 anos, afirma viver uma nova e feliz fase. Há um ano e meio virou avó e está namorando a cantora e compositora Adriana Calcanhotto, como conta no franco bate-papo que teve com VEJA RIO.
+ Pesquisa de VEJA RIO revela lugares, marcas e produtos mais amados do Rio
Como lidou com tantas tragédias? Falando abertamente, expondo meus sentimentos, sem me fechar nem fingir que não existiu. Precisei seguir em frente, tentando lidar com tudo.
Após o assassinato da sua mãe, como ficou a relação com seu pai? Nós pensamos que os pais estão ali para nos proteger. Quando isso não acontece, toda a escala de valores tem de ser rearrumada.
A terapia ajudou a curar os traumas? Eu tentei muitas vezes, mas não foi suficiente pra mim. Por isso, eu fui viajando, tomando daime e experimentando lugares em que as pessoas propunham cura. Você precisa engajar seu corpo, sua respiração, manter-se saudável. Quando a gente está com menos saúde, fica muito menos predisposta à cura.
No livro, você diz que é uma “atormentada de carteirinha”. Isso já se traduziu em algum colapso? Teve uma vez que quase enlouqueci. Estava gravando uma novela (Cara & Coroa, de 1995) com um diretor muito difícil que fazia um jogo de poder. Aquilo me fazia tão mal que fiquei vulnerável sem perceber. Tive um ataque de pânico aterrorizante, que começou no meio do estúdio.
Você abusou muito de drogas e álcool? Vivi um momento em que as drogas estavam associadas à autolibertação. E era isso que sentia, que elas me libertavam emocionalmente, me tiravam de onde eu estava trancada. Mas nunca fui muito boa com drogas. Enquanto todo mundo estava se drogando muito, eu parava antes porque não dava conta. Me faziam mais mal do que aos outros.
É a favor da legalização das drogas? Totalmente. Deixa as pessoas fumarem a maconha delas em paz.
Você sofreu abuso na infância? Eu entrei num ônibus quando tinha 10 anos e o motorista me levou até o ponto final, me colocou sentada no colo dele e pediu um beijo. Pulei pela janela e corri quase 1 quilômetro, com medo de que ele estivesse atrás de mim. Na época, não contei para ninguém. Não sabia se o erro era meu.
Isso afetou sua sexualidade? O abuso, não. Mas a tragédia familiar, sim. Minha relação com prazer foi tardia. A sexualidade implica entrega absoluta e, por muitos anos, não estive pronta para isso.
“Depois de uma determinada fase da vida, você tem de ficar com pessoas com quem consiga conversar, para não ter de traduzir tudo o que percebe do mundo”
Hoje sua vida sexual está bem resolvida? Agora é bem mais legal, sim. Antigamente eu estava lá investigando, experimentando um pouco aqui e ali. Precisei fazer muitas experiências para chegar a um lugar mais livre e relaxado.
Como é o namoro com a Adriana Calcanhotto? Depois de uma determinada fase da vida, você tem de ficar com pessoas com quem consiga conversar, para não ter de traduzir para o outro tudo o que percebe do mundo.
Por que evita falar sobre o relacionamento? Acho bonito ser discreta neste mundo em que a vulgaridade corre solta em todos os meios. Eu me reservo ao direito de manter essas coisas na intimidade, de não ficar dando satisfação à sociedade, mas ao mesmo tempo também não escondo o que estou fazendo.
Sentiu algum tipo de preconceito desde que começaram a se relacionar? Acho que neste momento as pessoas estão mais comedidas com relação ao preconceito, elas têm medo das consequências. Ainda assim, recebi mensagens nas redes do tipo “você me decepcionou” ou “isso é pecado”. Ora, com homem não é pecado, mas com mulher é?
Você se posicionou algumas vezes sobre o atual governo e o desmonte na cultura. Como vê o país e as eleições de 2022? Este atual governo é a maior vergonha da história do Brasil. É mentiroso, dissimulado, vulgar. Andamos para trás, mas nunca às claras. Tudo é feito com mentiras: o que acontece na Amazônia, nas artes.
Por isso faz questão de se posicionar? Um governo que se coloca de maneira neutra e frouxa em uma guerra, por exemplo, é de uma covardia abominável. Eu tenho engulhos quando olho para o presidente, meu estômago se revolve. Ele não pode ser reeleito, isso é prioritário.
Como lida com a passagem do tempo? Com franqueza. Na peça, falo que sou uma mulher velha e sinto as mulheres estremecerem na plateia.
Por quê? A mulher velha é um troço que incomoda, mas isso precisa ser dito, devemos quebrar esse paradigma. Por que o mundo é contra uma mulher envelhecer se ela tem mais conhecimento? Se tem mais a oferecer? Se ela tem mais entusiasmo e disponibilidade que uma menina de 20 anos deprimida ou que uma mulher de 40 estressada? Acho que isso tudo está em discussão agora porque as mulheres estão perdendo o medo de se sentir velhas.
+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui