Aos 43 anos, Maju Coutinho está de casa nova. E, ao menos desta vez, não se trata de mais uma atração jornalística na grade da TV Globo. Após deixar o posto de garota do tempo do Jornal Nacional, apresentar diariamente o Jornal Hoje e fechar 2021 à frente do Fantástico e ainda integrando a equipe do programa Papo de Política, da GloboNews — tudo isso em pouco mais de dois anos —, a paulistana mudou-se para o Rio no fim do ano passado. “Na terceira ponte aérea, vi que não ia dar para ir e voltar toda semana, por causa dos atrasos nos voos. Decidi, então, fazer as malas”, conta.
Hospedados em um flat, ela e o marido, o publicitário Agostinho Paulo Moura, estão à procura de um apartamento e já começaram a aproveitar o carioca way of life. Desde que aportaram nestas praias, eles fazem passeios pelo calçadão da orla da Zona Sul e vão até o Parque Madureira. A imersão local promete ser ainda mais intensa no próximo mês: se confirmado o Carnaval da Sapucaí (a decisão deve ser anunciada no próximo dia 24, após nova reunião dos governantes com o Comitê Científico), Maju é o nome mais cotado para assumir a transmissão dos desfiles do Grupo Especial. “Vai ser muito emocionante, minha primeira vez na Sapucaí”, diz a jornalista, que também falou sobre os ataques racistas na internet, a pressão por filhos e a importância da terapia.
Certa vez, você disse que, como mulher negra, tinha de lidar permanentemente com um olhar de dúvida, de desconfiança. Neste ponto da carreira, ainda existe isso? Sempre existe. O que eu tento mudar é a maneira como eu absorvo isso. Até quando vou deixar esse olhar de dúvida, repleto de preconceito, me afetar? Trato a minha mente, porque ficar se provando o tempo inteiro é um desgaste e pode fazer qualquer um adoecer.
Como cuida da cabeça? Faço terapia desde a época da faculdade e, com ela, aprendi a tirar o peso excessivo das situações. Brinco que a gente carrega uma mochila com determinadas pedras. Em alguns momentos, são inevitáveis. Em outros, desnecessárias. A terapia ajuda a removê-las e a levar a vida de uma maneira mais leve.
Sua ascensão foi rápida na carreira. Teve momentos de deslumbramento? Não, e a terapia ajudou. Digo para minha terapeuta: se eu não tivesse esse acompanhamento, talvez nem teria conseguido dar os passos que dei. Uma jovem da Zona Leste de São Paulo, neta de empregada doméstica, filha de professores e que começa a ficar famosa, imagine? Se eu não tivesse uma estrutura emocional, talvez ficasse perdida nesse mundo novo.
Qual a sensação de ascender nesse ambiente? É muito forte. Minha avó era uma mulher sábia, que, se tivesse tido oportunidade de estudar, iria longe. Era tão sábia que tinha noção de que o avanço familiar apenas era possível através da educação, e foi o que ela fez. Investiu todos os recursos que tinha para que minha mãe pudesse estudar.
Já está se sentindo carioca? Olha, quase. A praia está se tornando uma rotina no meu dia a dia. Tenho andado com frequência no calçadão. Adoro ver os idosos superativos caminhando e os esportes coletivos para todas as idades. O Rio é uma cidade que te empurra para essa vida ao ar livre.
Tem saído do circuito tradicional? Sim, não quero ficar só no Rio da Zona Sul. Fui ao festival Wakanda in Madureira, onde pude encontrar o pessoal da comunidade negra em um lugar de exaltação à cultura afro. No Parque Madureira, vi o que nunca vi em São Paulo: diferentes tribos convivendo em um mesmo espaço.
Ficou surpresa? Fiquei, e já percebi que é uma característica bem forte da cidade. Os botecos também chamaram a minha atenção. São um local familiar, ao contrário de São Paulo, onde as famílias costumam se reunir mais nos restaurantes.
“Tenho preguiça das redes sociais. Acho muito arriscado, em um país como o nosso, exibir essa aura de glamour que imprimem ali”
Está ansiosa pelo Carnaval? Sou apaixonada pelo Carnaval. Ali está nossa história, nossa raiz, nosso quilombo, a valorização do povo negro. Eu frequentei muito a Nenê de Vila Matilde, em São Paulo, mas no Rio nunca visitei uma escola ou fui à Sapucaí. Só vi pela TV. Se forem confirmados os desfiles, vai ser muito emocionante.
Qual a principal diferença entre apresentar o Jornal Hoje, que é diário, e o Fantástico, exibido uma vez por semana? Nos últimos dois anos, mergulhei no jornalismo diário e no noticiário da pandemia. O JH, como brincamos, é um jornal do gerúndio, onde falamos do que está acontecendo. No Fantástico, a gente abre esse leque e traz outros temas, temos a oportunidade de fazer reportagens mais aprofundadas e pude voltar a fazer entrevistas.
Sempre lhe perguntam se pensa em ter filhos. Como encara a pressão? Considero uma pergunta machista. Não vemos essa mesma questão levantada para os homens. É uma cobrança do feminino, como se fosse uma obrigação nossa: tem de ser assim. Não digo que eu não vou ter filhos, que eu não possa adotar. Não é um assunto fechado para mim, tanto que congelei meus óvulos aos 37. Mas acredito que, falando abertamente disso, podemos reduzir um pouco a pressão sobre a mulher.
O que mais insistem em lhe perguntar em relação a ser uma mulher negra que você não aguenta mais ouvir? Me incomoda um pouco essa posição de guerreira em que sempre colocam a mulher negra, como se não houvesse espaço para outros momentos, de tristeza, de angústia, de leveza, ou de qualquer outra coisa. Parece que você está num looping só de luta, tendo de superar obstáculos o tempo todo. Isso é cansativo.
Como lida com os ataques racistas na internet? O racismo das redes me remete àquele que vivi no ensino fundamental, quando recebi um bilhete em um amigo-oculto que dizia ‘Por que você não passa um condicionador nesse cabelo?’. As duas formas de racismo são doloridas e, de algum modo, semelhantes, porque são posturas infantilizadas. Nem respondo mais. Não dou palco para racistas.
É por isso que mantém um perfil discreto nas redes sociais? Confesso que tenho uma certa preguiça das redes sociais. Acho muito arriscado essa coisa de exibir só um recorte da vida, essa aura de glamour que imprimem ali, especialmente em um país desigual como o nosso, com tanta gente passando fome. É uma vida irreal, editada pró-felicidade. A realidade não é assim. É feita de altos e baixos, é complexa, é preta, branca e cinza.
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