Nessas três décadas que separam a primeira versão de Pantanal, na qual interpretou o jovem Tadeu, da atual novela das 9, em que vive o protagonista José Leôncio, o mundo girou para Marcos Palmeira. Aos 58 anos, ele se casou, se tornou pai, se separou, virou produtor de orgânicos, entrou em crise profissional, rompeu contrato com a Globo muito antes das demissões se tornarem frequentes, casou-se de novo e aprendeu que o homem pode e deve chorar, reconhecer suas vulnerabilidades e falar das emoções. A terapia o ajudou neste processo.
Ele segue aprendendo no exercício da paternidade de Julia, 14 anos (fruto do casamento com a diretora Amora Mautner), e ao lado da cineasta Gabriela Gastal, sua mulher, que acaba de lançar o documentário feminista Lobby do Batom. “A Gabi está me fazendo ser PhD nessa história dos sentimentos”, diz.
Neste ano, o ator teve excelentes notícias profissionais, e Pantanal não foi a única. Em janeiro, dois produtos de sua fazenda, o Vale das Palmeiras, em Teresópolis, entraram no rol dos melhores do Brasil no Guia do Queijo. Perto de completar 46 anos de carreira — ele estreou aos 12 no especial O Menino Atrasado, na TVE —, o ator falou a VEJA RIO.
Como foi voltar a Pantanal três décadas depois? É interessante pensar nessa perspectiva do tempo para notar o que mudou. Na primeira versão da novela, a região era um pântano. As cenas de banho eram feitas em salinas cristalinas, que nem existem mais. Tinha muita água por todo canto, hoje é seco e árido.
Reparou mudanças na fauna também? Sim, a quantidade de bichos agora é bem menor, e eles aparecem em horários incomuns. Nas árvores, não se vê mais o ninhal, o refúgio das aves para descansar e reproduzir. O Pantanal virou um protagonista doente, que precisa de tratamento urgente.
A novela pode ajudar a jogar luz sobre o problema? Com certeza, mas será uma batalha e tanto. O meio ambiente e a classe artística estão sendo massacrados. Criou-se uma retórica de que nós, artistas, roubamos do Estado, e que o meio ambiente impede o desenvolvimento econômico.
Acha que isso é um subproduto da polarização na política? As pessoas estão com pouca escuta. Se alguém faz uma crítica ao PT, dizem que a pessoa está defendendo Bolsonaro. Se fala mal do Bolsonaro, dizem que é petista. Discutem-se soluções muito pouco e o debate se restringe a quem é o bom e o mau.
Ficou surpreso ao ser convidado a voltar à trama de Pantanal? O que me surpreendeu foi, aos quase 60 anos, ser chamado para um papel de protagonista como este. É um privilégio para um ator ter a possibilidade de fazer um mergulho mais profundo numa obra da qual já tenha participado, na pele de outro personagem.
Você tem mais de quarenta filmes e quase cinquenta novelas e séries no currículo. Viveu momentos de crise na carreira? Sim, em Celebridade. Todo ator sonhava ser protagonista de Gilberto Braga. E quando chegou o meu momento, veio o questionamento: é isso mesmo o que eu quero?
“O meio ambiente e a classe artística estão sendo massacrados. Criou-se uma retórica de que nós, artistas, roubamos do Estado, e que o meio ambiente impede o desenvolvimento”
E como driblou a dúvida? Eu achava que tinha ficado muito engessado na figura do galã. Então, viajei para a França para fazer o curso da Delphine Eliet e, na volta, procurei o Amir Haddad para fazer uma peça. Descobri que a desconstrução que eu buscava estava dentro de mim. Eu precisava descobrir novos caminhos para a minha carreira.
Fazia terapia nessa época? Faço há muitos anos. Talvez tenha começado nesse período, não lembro bem, mas me arrependo de não ter iniciado antes. Teria ajudado a cortar alguns caminhos.
Quais, por exemplo? Quando eu era garoto, no Colégio São Vicente, assisti a uma palestra do Gabeira, quando ele voltou do exílio, em que ele dizia que o ciúme era um sentimento menor. De alguma maneira, eu introjetei isso. Passei anos morrendo de ciúme sem botar para fora. Entendi que eu posso ter ciúme, sim, e que posso expressá-lo sem ser um problema. Descobri isso na terapia, mas o casamento com a Gabi (eles se casaram em 2016) também está me fazendo ser PhD nessa história de sentimentos.
Como é o casamento após os 50? É mais leve. Mas é sempre um exercício, não é fácil. As crises e as dificuldades sempre vão existir, só que nessa fase você está mais aberto. Consegue perceber, por exemplo, que deixar de falar algo que o incomodou pode dar espaço para que isso vire um problema gigante lá na frente. Hoje sou capaz de falar mais.
Qual a diferença de ser homem hoje em relação a poucas décadas atrás? A gente teve de reaprender muita coisa, o que é bom. Às vezes, tem um radicalismo, que é necessário para quebrar essa estrutura machista ancestral em que crescemos. A situação ainda é muito desigual em relação à mulher.
Você passou pela clássica crise da meia-idade? Desde que minha filha nasceu, eu tive a dimensão de que o tempo estava passando, mas estou achando bom envelhecer. Aprender mais, me entender melhor. Minha filha me ensina muito nesse sentido, porque não adianta só falar, se você não faz. O que educa é o exemplo.
Pensa em ter mais filhos? Eu e a Gabi até tentamos. Mas o processo é muito cruel, muitos hormônios. Não veio, e a gente se permitiu estar assim, decidindo não interferir tanto nesse destino.
Como lida com as redes sociais? No meu tempo. Eu mesmo faço meu Instagram, mas no Twitter eu nem gosto de entrar. É muita pancadaria.
Por que você optou por não ter contrato fixo com a Globo? Quando os streamings estavam chegando por aqui, a HBO me chamou para fazer Mandrake. Meu contrato estava acabando e decidi não renovar. Foi uma decisão artística.
Fez a escolha certa? A série me levou a uma indicação no Emmy. Foi uma virada na minha carreira. E eu não parei de trabalhar na Globo, faço os contratos por projeto. Costumo falar para eles que eu sou o ator mais barato que eles têm, porque não precisam me pagar para não trabalhar.
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