Eu estava numa festa. De aniversário, como eu gosto. Com céu, como deve ser. Rodeada de amigos, pro coração durar mais tempo. Havia tomado dois drinques, pra alegria do meu cérebro. O som tocava baixo, pra saúde dos meus ouvidos. As pessoas pareciam abertas, as músicas eram conhecidas, o esquema era despretensioso.
Toda a situação me fazia caber com perfeição naquela noite. Dos sapatos fechados às defesas baixas, eu me via com chão e pernas. Segura. Leve. Abrigada e acolhida como num banco de trás de um táxi tocando um Fábio Jr. antigo. Praticamente em casa.
Desde a pandemia, ir a encontros com mais de dez pessoas virou pra mim uma verdadeira questão. Ainda não sei como me comportar. Me divido entre a ansiedade de querer conversar pra valer e a vaidade de ter uma frase inteligente pra cada “oi, tudo bem?”. Na dúvida, tento fazer os dois, o que é obviamente impossível.
Dançar, então, só com muita coragem. E coragem, no caso, tem mais a ver com aditivos químicos do que com playlists. Mas como eu sou medrosa, e não gosto de ressaca, raramente vou pra pista. De modo que minhas danças acabam sendo duas ou três trocas legais com figuras queridas que não via há algum tempo.
Costumo ser feliz assim. Era assim, portanto, que eu estava quando, em minha direção, duas semanas atrás, veio uma moça sorridente, ao lado de um rapaz alto — que eu também não conhecia. Sorri de volta, tentando desesperadamente lembrar quem era o casal, e de onde os conhecia.
Na hora de cumprimentá-los, um tanto sem graça por não saber seus nomes, a mulher, entredentes, me disse, feliz como quem realiza um desejo: “Você, como feminista, é a maior fake news que eu conheço. Pare de comentar nos posts do meu namorado, ouviu bem?”.
“Levei uns dez minutos para perceber que a moça que havia me dirigido a frase acusatória era a companheira de um rapaz com quem saí três vezes, mais ou menos cinco anos atrás”
Cataploft. Adeus Fábio Jr., drinques, delicadeza, céu, gentileza, vacina, democracia, pertencimento. 7 a 1, “do nadão”, como diz minha amiga Julia Rabello. Levei uns dez minutos pra perceber que a moça que havia me dirigido a frase acusatória era a companheira de um rapaz com quem saí três vezes, mais ou menos cinco anos atrás. Com quem nunca mais havia falado nem visto. Nossa amizade se resumia a comentar nossas colunas no Instagram. Por que cargas-d’água ela teria qualquer tipo de rivalidade comigo?
Porque a gente é assim, meio selvagem, pensei, mais calma, dois ou três dias depois. E se movimentos — como o feminismo — servem para nos servir de guia, nossa humanidade existe pra tornar essas transformações ainda mais bonitas. Pra nos lembrar que não é fácil não agirmos como sentimos e que, exatamente por isso, ser o que a gente quer ser — e não quem a gente, muitas vezes, infelizmente, é — pode ser tão revolucionário em festinhas quanto nos livros.
Recentemente, a Academia Brasileira de Letras foi endereço da posse de Heloisa Buarque de Hollanda. A escritora, e agora imortal, disse em entrevista que pretende voltar a usar o sobrenome de solteira. Que isso também faz parte de seu letramento no feminismo. Da mulher que vem construindo — ou desconstruindo — do nascimento até aqui.
Fico mesmo pensando em como tudo mudou tão rapidamente da minha juventude até agora. Vou fazer 48 anos, estou entrando na menopausa, e não me sinto subtraída em quase nada pela passagem do tempo. O quase se deve basicamente ao colágeno, que faz falta, e à incapacidade, talvez perdida pra sempre, de frequentar festas grandes.
No mais, uma das maiores alegrias de ser mulher nos dias de hoje são as parcerias com outras mulheres. Isso quer dizer que nos amaremos incondicionalmente? Jamais. Que nunca vai acontecer de gostarmos do mesmo boy? Ou da mesma mina? Que não competiremos, eventualmente? Que não teremos rusgas?
Nada disso. Significa que vamos derrubar essa tese de que mulheres brigam mais do que homens. E que, em festas, vamos lutar por céus estrelados e sons não muito altos. No resto a gente dá um jeito.