Maria Ribeiro: ‘Me apaixono e não controlo a trajetória de arrebatamentos’
Atriz propõe que todos se deixem levar, ao menos uma vez por ano, por um caminho sem Waze, e defende mudança de cursos: 'não é este o combinado da vida?'
Quando eu passei a gostar de gatos — e eu não tenho a menor ideia de como isso aconteceu —, o contrário se deu de forma igualmente repentina. Quem era aquela pessoa de antes? E como pôde perder tanto tempo sem essa parte da festa?
Sim, porque dividir minha existência com felinos nunca foi uma coisa que eu programei, ou discuti, por exemplo, na análise. Não foi uma causa. Não foi uma decisão. Simplesmente foi. E foi de um segundo pro outro, tipo ensaio zero, sinapses que se virem, Deus-circunstância.
Mas não é meio esse o combinado da vida? Ou, pelo menos, um pedaço do pacto das bonecas — sim, exatamente — russas? Mudar de curso? Subverter o ângulo? Se deixar tomar, nem que seja uma vez por ano, por um caminho sem Waze?
Eu, que até então me considerava um ser de cães, subitamente me vi na porta de casa agarrada a um filhote de gato magrelinho por quem já nutria instintos estranhíssimos de afeto e proteção.
Davi, encontrado por acaso no estacionamento do estúdio onde eu gravava uma novela, não contava, na época, nem um mês. Mas em três horas tinha se tornado um projeto de vida.
“Sim, eu me apaixono. E não só não tenho nenhum controle da trajetória dos meus arrebatamentos, como passo rapidamente a elaborar argumentos inquestionáveis para legitimar minhas escolhas”
Na ocasião — isso foi em 2011 —, percebi que meu então marido, assim como meu filho mais velho, passaram a ter, digamos assim, um certo “receio” (aspas, sou dessas) dos meus impulsos amorosos. Sim, eu me apaixono. E não só não tenho nenhum controle da trajetória dos meus arrebatamentos, como passo rapidamente a elaborar argumentos inquestionáveis para legitimar minhas escolhas. Sabe advogada de filme americano? Ou professora de método científico? Prazer. Amo, logo convenço. E isso vai de bicho de estimação a prato de restaurante, passa por discos e séries, e chega ao ingresso que realmente importa: dividir as descobertas.
Quando gosto de alguém, não só gosto muito como faço questão de que todo mundo que eu gosto também goste. Eu sei, é muito gostar. Mas, quer saber?, danem-se as técnicas de redação. Estamos no ano de 2022, melhor pecar por Marília Mendonça do que por moods blazes.
“Mostra que tu é intenso”, já dizia Sonia Braga em Aquarius, pra em seguida aconselhar o sobrinho: “Mostra Maria Bethânia pra ela”. Maria Bethânia, gatos, Sonia Braga. Domingos Oliveira. Sim, de novo. E sempre. Por que era Domingos quem chegava perguntando: “O que é que você tem de novidade pra contar? O que descobriste desde a última vez em que nos vimos?”. Pessoas, essa camiseta pra sempre.
Essa semana, por exemplo, devo ao Sidarta Ribeiro todas as vezes que lavei o cabelo. Já tinha lido O Oráculo da Noite — metade, na verdade —, já tinha visto inúmeras entrevistas, já tinha acompanhado duas ou três lives. Mas suas falas no podcast da Ilustríssima, da Folha de S.Paulo, me abriram todas as portas da esperança do Silvio Santos (sem o Silvio Santos, o que é uma verdadeira glória da dramaturgia!).
Sidarta fala de sonhos, de sustentabilidade, de desigualdade, de drogas, de alteração de consciência, da violência contra os indígenas e de todas as feridas do país. Que são muitas, obviamente, como os vejiners bem sabem. No entanto, não sei como, desliguei sua entrevista e fiquei feliz.
Feliz por viver no mesmo tempo que ele, feliz por mandar aquele conteúdo pras pessoas que eu amo, feliz por ver como ainda sou precária, mas como ainda posso mudar. Não vai ser fácil, eu sei. Querer menos, dar mais, não comer carne, tirei praticamente zero na prova do meu parceiro de sobrenome. Mas como a gente ainda tá com a bola no pé, o futebol tá valendo até outubro.
Tenham gatos, ouçam Sidarta, votem na democracia.
Combinado, Brasil?