Quando, no começo de 2020, fiquei sabendo que a VEJA RIO ia voltar — e voltar mesmo, que nem antes, com gráfica, papel e tinta — comemorei um tanto desconfiada. Quem, além de mim, ainda se importaria, naquela altura do campeonato de informações on-line, com a manutenção — ou o regresso — de uma revista física?
Além do mais, uma publicação dedicada à uma cidade costuma ter um público relativamente restrito, certo? Como fechar essa conta? Mas a verdade é que, para criar um bloco, basta a paixão de um único folião. De preferência, bom de enredo e abre-alas.
Assim sendo, pra nossa sorte, cá estamos, você e eu, comemorando, pelo quarto ano consecutivo, o jornalismo impresso e o nosso Rio de Janeiro, dois patrimônios que me constituem desde que me entendo por gente. Camisetas que visto como se fossem de time — alô, meu Flu! — e das quais não abro mão nem se for morar em São Paulo, traição praticamente imperdoável no departamento dos DDDs.
Porque ser carioca é falar uma língua muito específica, e saber que só quem vive entre o mar e as montanhas pode compreender quanto ser feito — feito mesmo, como um órgão a mais — de verde e azul muda também as cores de dentro. Sempre me lembro de Antônio Carlos Jobim, nosso ilustre tijucano, que dizia, sem pudor, que toda a sua obra era baseada na Mata Atlântica.
É claro que não estamos livres das durezas comuns a quase todas as metrópoles — e precisamos, sim, todos os dias, falar do nosso mal particular, a milícia —, mas só a turma do 21 percebe o valor de um mergulho, rápido que seja, no meio de um dia difícil, entre uma e outra reunião de “gente grande”.
“Ser carioca é falar uma língua muito específica, e saber que só quem vive entre o mar e as montanhas pode compreender quanto ser feito de verde e azul muda também as cores de dentro”
Isso sem falar na autoestima — que, obviamente, como tudo, também deve ser usada com moderação. Mas ter uma certidão de nascimento que faça as vezes de diploma, um endereço que contribua pra uma cidadania que quase sempre depende de conta bancária, e não de democracia, só isso já torna nosso balneário um ingresso que se justifica. É a famosa horizontalidade do chinelo — marca registrada do pessoal do Dois Irmãos.
Perdi a conta de quantas vezes chorei ao sair do túnel Rebouças e avistar a Lagoa Rodrigo de Freitas, como se aquela paisagem fosse uma espécie de útero geográfico, uma possibilidade de existência que nunca me deixaria na mão.
Esta é uma crônica de despedida. Prestes a fazer dois filmes, gravando um programa de entrevistas e terminando meu primeiro romance, vou precisar, ao menos por um tempo, abrir mão desse CEP. Que separação difícil essa.
Estar no meio destas páginas, numa posição que já foi de Fernanda Torres e de Manoel Carlos, foi como entrar numa festa que, por anos, eu sonhei fazer parte. Agradeço pra sempre. Primeiro, aos leitores, que em meio a correções, protestos e afagos, me acompanharam até aqui. Depois, à supereditora Fernanda Thedim, carioca do tipo Fernanda Abreu, típica até o último grão de areia, que, em um café da manhã no Talho da Gávea, um pouco antes do lockdown, quando ainda não tínhamos a menor ideia do que nos esperava, me chamou pra esse rolé, e nos presenteou — e segue nos presenteando — com capas e matérias incríveis.
Nos quatro anos em que bati ponto nesta última página, enfrentamos, com a Covid-19, a maior crise sanitária e hospitalar da história do Brasil e do mundo, mas também vimos surgir coisas tão incríveis quanto os eventos de música no Parque da Cidade, os inúmeros restaurantes no Horto e o recém-criado passaporte da natureza.
Estar aqui foi como gravar uma série nas minhas locações prediletas: Maracanã, Jardim Botânico, Centro, Gamboa, Laranjeiras, Copacabana. Uma cidade feita de desigualdades e contradições, mas também de amor e de resistência.
Vida longa a VEJA RIO, obrigada pela companhia e, agora sim, feliz ano novo, vejinhers!