Mário? Que Mário?
O Frias, ex-galã da TV que assumiu a Secretaria da Cultura sob críticas da classe artística e da própria família: 'Totalmente despreparado', diz um parente
Carioca da Barra da Tijuca, o ator Mário Frias, 48 anos, começou a costurar sua indicação para o cargo de secretário da Cultura do governo Jair Bolsonaro nos últimos meses, quando fotos de família, gatos e trabalhos foram cedendo lugar em suas redes sociais a publicações alinhadas com o presidente e seus aliados. Em dezembro de 2019, ainda no ar na Rede TV! com o programa A Melhor Viagem, Mário foi a Brasília apresentar ao então dono da cadeira, Roberto Alvim, um projeto para a TV: o de um concurso entre estudantes de escolas públicas e particulares.
Aproveitou para fazer um circuito por vários gabinetes, acompanhado do deputado Daniel Freitas (PSL-SC), amigo de longa data. Já era abril, e Frias, atento à queda iminente da então secretária Regina Duarte, fez o movimento de se aproximar de Damares Alves, participando de um vídeo promocional de seu ministério. Com o apoio também da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que viria a conhecer logo depois, nos bastidores de um programa da Band, estava aberta a trilha para o Palácio do Planalto. Sua escalada contou ainda com uma última e importante cartada em 20 de maio, dia em que a breve era de Regina seria oficialmente encerrada. Em post escrito horas após a exoneração da colega, ele resumiu assim suas já conhecidas intenções: “Fechado com Bolsonaro!”
Empossado em 23 de junho numa cerimônia sem holofotes, Frias, o quinto a se sentar na cadeira de secretário da pasta em dezoito meses, certamente não terá vida fácil. Está na liderança de um setor baqueado pelo freio nos investimentos federais e com as atividades congeladas em meio à pandemia. Mas não é só: o ex-galã que conheceu o apogeu em 1999 no seriado global Malhação, surfista e jogador de futevôlei nas horas vagas, que nunca lidou com as engrenagens públicas, enfrenta forte resistência da classe artística – e, segundo VEJA RIO apurou -, da própria família, que se situa no espectro ideológico exatamente oposto ao dele.
É pouco conhecido o fato de Frias ser sobrinho-neto de João Saldanha (1917-1990), militante do Partido Comunista Brasileiro. Técnico da seleção brasileira, Saldanha foi demitido às vésperas da Copa do Mundo de 1970 por não aceitar os pitacos do regime militar, encabeçado pelo general Emílio Garrastazu Médici, na escalação do time – por essas e outras, ganhou de Nelson Rodrigues o apelido de “João sem Medo”.
Filho e homônimo do treinador, o coreógrafo João Saldanha, 60 anos, primo de Frias, diz: “Meu pai deve estar se revirando no túmulo, dando cambalhotas de desgosto por causa dessa pessoa”. Ele é também sobrinho de Bebeto de Freitas, ex-pre sidente do Botafogo e irmão de sua mãe, morto em 2018. Um dos maiores nomes do vôlei brasileiro, Bebeto colaborou com o ex-presidente Lula.
Sua árvore genealógica ainda inclui um ex-militante da Associação Popular Marxista Leninista, Raul Milliet, doutor em história social pela USP, outro primo que expõe seu desconforto: “Esse jovem senhor, além de péssimo ator, não tem a menor capacidade de ocupar cargo nenhum que envolva políticas públicas e gestão cultural. É completamente despreparado”, dispara. “Ele nunca teve cultura política”, arremata mais um primo, o professor de história Felipe Velloso.
O meio artístico, que já havia recebido a nomeação de Regina Duarte com ceticismo e desgosto, pôs-se a se manifestar nas redes. “É pra rir ou pra chorar?”, postou no Twitter a atriz Patricia Pillar, contabilizando 8 000 curtidas. Integrante do Porta dos Fundos, João Vicente de Castro ironizou: “A novidade é que, pela primeira vez na história, alguém está comentando sobre um papel que ele está fazendo”. Sabe-se até este momento muito pouco a respeito do que planeja o novo secretário, à exceção de uma mostra que deu na primeira entrevista concedida no exercício do cargo, exibida no canal do YouTube do deputado federal Eduardo Bolsonaro – o filho Zero Três, um dos que o apadrinharam.
Na ocasião, Frias criticou o auxílio emergencial de 600 reais concedido a artistas, definiu como “bacana” os tetos para editais na cultura e defendeu seu currículo, enaltecendo Malhação, uma escola da qual muita gente sai “mais preparada do que aqueles que vêm do teatro”.
A ida a Brasília interrompeu sua rotina à beira-mar. Pelo menos três vezes por semana, ele era visto nas redes de futevôlei do professor Miguel Habib, ex-parceiro de Romário em competições da modalidade, em frente ao condomínio Barramares, onde morou por mais de duas décadas. Não são raras fotos suas naquele pedaço da praia. Ali já pegou muito onda, hobby, aliás, compartilhado com o deputado Eduardo, que costumava frequentar o mesmo marzão da Barra.
Os Frias atracaram no bairro, vindos de Ipanema, assim que as oito torres do Barramares ficaram prontas, em 1979, para se tornar um símbolo da emergente região, que emulava Miami. “Tinha uma turma muito vaidosa lá, bem no espírito da Barra mesmo, todo mundo desfilando com as roupas de marca da época”, lembra a ex-moradora Tatiana Roque, filósofa e professora de matemática da UFRJ. A família Frias ocupava um espaçoso apartamento de quatro quartos no condomínio (localizado a 400 metros do Vivendas da Barra, onde tem base o presidente Bolsonaro).
O pai do hoje secretário, conhecido como “Seu Frias”, era figura popular. Em agosto de 1987, morreria, aos 49 anos, de forma trágica. Piloto, ele foi rendido por dois bandidos no Aeroporto de Jacarepaguá e forçado a levantar voo. O objetivo dos marginais era resgatar três presos do Complexo Penitenciário Frei Caneca, entre eles o traficante Paulo Roberto de Moura, o Meio Quilo, cofundador da facção criminosa Falange Vermelha. Mas a ação não saiu como o planejado.
Enquanto o criminoso tentava entrar no helicóptero já no ar, dependurado, foi atingido em meio ao fogo cruzado com a polícia e despencou de uma altura de 12 metros. No tiroteio, o helicóptero perdeu a estabilidade, bateu em uma guarita, caiu no pátio e explodiu. Virou uma bola de fogo, matando carbonizados todos os seus ocupantes. Mário, o filho, tinha 16 anos. Ele não gosta de tocar no assunto da morte do pai – abriu uma exceção em um vídeo postado em suas redes sociais há alguns dias, no qual aparece colérico e cita a tragédia, sem dar detalhes.
Apesar de passar a semana em Brasília para estar mais próximo ao presidente e não repetir o enredo de Regina, criticada por ficar distante do Distrito Federal, Frias ainda mora na Barra, agora num prédio de quatro andares do Jardim Oceânico, ao lado da mulher, a catarinense Juliana Camatti, 37 anos, publicitária e ex-blogueira fitness, e da filha caçula, Laura, de 8 anos. Ele também foi casado com a atriz Nivea Stelmann, 46 anos, com quem teve Miguel, de 15. A irmã e a mãe, Maria Lúcia, advogada e tabeliã aposentada, vivem no mesmo edifício.
O ator, que já passou por programas e novelas do SBT, da Band e da Record, cultiva gosto menos conhecido pela guitarra. Em seu currículo, inclusive, consta uma tentativa de emplacar como cantor e guitarrista, à frente da banda Zona Zero, que durou de 2004 a 2006. O estilo, segundo ele: “Um pop boladão”. “Vou jogar tudo pro alto / Vou deixar acontecer / Ter coragem, dar um salto / Em queda livre por você”, dizia o refrão do hit Queda Livre, assinado pelo atual secretário da Cultura. Tomara que não se machuque.
De Malhação ao Planalto
O currículo do novo secretário da Cultura