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‘Mário Frias? Quem? Não conheço’, diz Ney Latorraca em entrevista

Com mais de 50 anos de carreira, ator fala sobre a vida em quarentena, o trabalho, e seu passado de integrante do "Morobloco": "Me arrependi, claro"

Por Cleo Guimarães
Atualizado em 22 jun 2020, 22h07 - Publicado em 22 jun 2020, 10h52
Ney, em selfie no seu apartamento na Lagoa, que será doado para a ABBR: 'Fiz questão de botar no meu testamento'  (Instagram/Reprodução)
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Prestes a completar 76 anos, Ney Latorraca estava com tudo engatilhado para estrear em abril a peça “Seu Neyla: O musical”, no Teatro Clara Nunes. A pandemia, sempre ela, cancelou seus planos, e há três meses ele não sai de casa para nada. Passa os dias vendo jogos de vôlei e futebol na TV, telefona para os amigos e anda de um lado para o outro, para se exercitar. “Sou grupo de risco, meu amor. Fico aqui no meu apartamento numa boa”, diz. Em entrevista a VEJA RIO, o ator, que será homenageado pela APTR (Associação dos Produtores de Teatro do Rio) no próximo dia 1°, falou sobre trabalho, suas posições políticas, e a decisão de deixar registrado em cartório que pretende doar todo o seu patrimônio a instituições filantrópicas depois que morrer.

De uns tempos para cá, alguns artistas brasileiros vêm sendo cobrados por não se posicionarem politicamente. Você levanta alguma bandeira? Sempre levantei. Estive presente em todos os movimentos pelas Diretas, fiz peças do Plinio Marcos durante a Ditadura… Sempre que me chamam eu vou. Estou aqui para isso.

E qual o seu posicionamento? Eu fiz a campanha do Aécio, né? Fui para Belo Horizonte e conheci um espaço cultural criado pela irmã dele, fiquei encantado. Eu vi aquilo e pensei: “Essas pessoas são maravilhosas, sérias”. Aí vieram aquelas bombas. Pensa em como eu fiquei. Mas não tenho o dom de adivinhar. Essa bandeira eu me arrependo de ter levantado. Também fiz parte do “Morobloco” (grupo de artistas que apoiava publicamente o então juiz Sérgio Moro, na época do impeachment de Dilma Rousseff). Me arrependi de novo. Mas sempre fui tucano.

Sempre? Já votou no PT ou teve medo, como Regina Duarte? Nunca votei no PT, e nas últimas eleições anulei meu voto. Imagina se eu ia votar no Bolsonaro. A classe inteira não é conivente com esse homem. Ele é um horror e acabou com a cultura, as pessoas estão fazendo vaquinha para viver, olha a que ponto chegamos.

Por falar em Regina Duarte, como você viu a atuação da sua colega à frente da secretaria da Cultura? Ah péssima, né? Tudo péssimo. Não sei porque a chamaram nem porque ela aceitou. Mas falar dela agora é chutar cachorro morto. Chega, já foi.

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Ela abdicou de um bom salário na Globo numa época em que a emissora está demitindo muita gente. Você é contratado? Tem medo de ser afastado? Sou contratado há 45 anos, com plano de saúde, com tudo. Se não renovarem, acho que faz parte. Mas não sei se sou descartável. Sou prata da casa, visto a camisa e tenho bons trabalhos a meu favor.

O ator Mário Frias foi anunciado como o substituto de Regina à frente da Secretaria. O que achou da escolha do presidente? Mário Frias? Quem é Mário Frias? Não conheço. Não tenho nenhuma expectativa.

Você sempre foi muito ativo, dava voltas na Lagoa caminhando. Está difícil aguentar o isolamento em casa?  Até que está dando pra levar numa boa. Ando cinco mil passos todos os dias aqui no meu apartamento, tem um aplicativo no celular faz a contagem. Isso dá 3,5 quilômetros, que é metade de uma volta na Lagoa. Pego sol na piscina, fico vendo futebol e vôlei na TV… Vôlei é uma maravilha. Fora que a quarentena melhorou muito a minha relação com os pássaros. Moro numa cobertura, eles aparecem em bando agora que a cidade está mais calma, é uma coisa linda.

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O hábito de falar ao telefone continua? Ah, sim. Amo um telefone. Gosto de ouvir a voz das pessoas. Todo dia antes de dormir anoto o nome de uns três amigos para eu ligar no dia seguinte. Recentemente falei com Miguel Falabella, Maria Padilha, Marcos Nanini, Fernanda Montenegro… Eles atendem e eu falo: “Liguei pra dizer que estou com saudades…”. Todo mundo gosta disso.

Por mais bem sucedidos que sejam, nem todos os artistas brasileiros conseguem viver de cultura no Brasil. Você tem alguma insegurança em relação a dinheiro? Eu adoro pagar uma conta em dia, é coisa de filho de gente pobre. Eu já fui bem pobre e só comecei a ganhar dinheiro mesmo nos anos 80, com a peça Irma Vap. Sou um privilegiado, sei disso. Mas trabalhei muito. Tenho quatro apartamentos – um em São Paulo, pertinho do prédio do FHC; este aqui da Lagoa, mais um no Jardim Botânico, e outro na Rua Rainha Elisabeth, em Copacabana. Botei no meu testamento que vou doar os quatro. Um vai para a ABBR, o outro para o Retiro dos Artistas. Os outros dois, um fica para o Grupo de Apoio às Crianças com AIDS, de Santos, e mais um para um grupo dedicado às vítimas da hanseníase. Está tudo no meu testamento. Fiz questão.

 

 

 

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