No início de junho, eu recebi a notícia que tanto temia. Faltando menos de dois meses para a Olimpíada, veio o diagnóstico de Covid-19. Fui fazer um exame de rotina, nada demais, e quando abri o envelope e encarei o resultado senti aquele frio subindo pela espinha. Foi um baque. O grande sonho da minha vida estava ameaçado e tive medo. Essa é uma doença imprevisível, que pode deixar sequelas, mas felizmente não tive nenhum sintoma. Ainda assim foi um desafio contrair o novo coronavírus neste momento, às vésperas dos Jogos: eu me sentia bem, queria treinar, mas não podia.
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Foram catorze dias de quarentena e agonia, controlando a ansiedade. Passei todo esse tempo dentro do quarto e até arrisquei pular corda algumas vezes para não perder o ritmo. A verdade é que não tinha o que fazer, além de esperar, por mais que eu soubesse que, a tão pouco tempo do início da Olimpíada, eram dias cruciais para a minha preparação. O pentatlo moderno é um esporte que mescla cinco modalidades — esgrima, natação, hipismo, corrida e tiro esportivo — e exige muito dos atletas, levando os competidores ao limite. Você precisa estar bem fisicamente, treinar habilidades específicas e trabalhar as técnicas. Leva a melhor quem consegue equilibrar esses fatores.
Apesar de ser um dos esportes olímpicos mais tradicionais, ainda é desconhecido do grande público. Ninguém sabe exatamente como funciona, quais são as modalidades, as regras. Faz, inclusive, pouco tempo que as mulheres passaram a competir. A categoria feminina estreou nos Jogos de Sydney, em 2000, no mesmo ano em que eu nasci, e, desde então, várias atletas vêm desbravando o caminho para mostrar que o pentatlo moderno não é só coisa de homem. Sou a prova disso, a única representante brasileira da modalidade em Tóquio. Conquistei a vaga em 2019, no Pan-Americano de Lima, ao ficar com o quarto lugar no ranking geral da competição, após muita dedicação, muito treino. Ao final de todas aquelas provas, estava morta de cansaço. Mesmo assim, desabei de chorar quando recebi a notícia de que iria realizar o sonho olímpico.
Chegar até aqui não foi nada fácil. Cresci em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio, brincando na rua. Nunca tinha praticado esporte. Quando eu tinha 9 anos, meu pai me inscreveu, junto com meus irmãos, no projeto PentaJovem, que existe até hoje no Clube dos Oficiais da Vila Militar, em Deodoro. A gente fazia uma zona em casa, e ele queria que ficássemos mais calmos. Deu certo. Voltávamos acabados para casa depois dos treinos. Eu, que enjoava fácil de tudo, fiquei deslumbrada com o pentatlo. Com o tempo, vieram os campeonatos e minha rotina foi ficando mais profissional.
A pandemia exigiu altas doses de resiliência e adaptação. Entre março e setembro de 2020, eu me exercitei sem sair do meu condomínio. Acordava às 5h30 para correr sem encontrar ninguém, subia e descia escadas sem parar. Fiquei longe dos cavalos, mesmo morando ao lado de um haras. No hipismo do pentatlo moderno é a própria organização da competição que fornece os animais. Os atletas têm apenas vinte minutos para aquecer e conhecer o bicho, que pode ser bonzinho e obediente — ou não. E dá-lhe adrenalina. A gente vai do céu ao inferno a cada prova.
No fim das contas, é uma competição sobre quem erra menos, por isso a cabeça tem de funcionar muito bem. O corpo precisa estar preparado, claro, mas sei que é a mente que vai me levar ao fim do circuito, e a terapia vem me ajudando nesse sentido. Hoje eu já consigo transformar nervosismo em combustível. Passei por um susto com a Covid-19, terei adversárias fortes pela frente, mas tudo pode acontecer, já que o pentatlo moderno é imprevisível. Nunca se repetiu um pódio olímpico. A prova mais importante da minha vida está chegando e não vejo a hora de correr atrás de uma medalha.
Iêda Guimarães em depoimento a Marcela Capobianco