“Sexo é playground”: Ney Matogrosso diz que circula por letras de LGBTQIA+
Aos 81 anos, ele brilha nos palcos em performances que deixam o público incrédulo diante de sua vitalidade e segue questionador, trabalhando intensamente
Desde que surgiu nos palcos, em 1973, como vocalista da banda Secos & Molhados, Ney Matogrosso vive rompendo tabus. “Nunca tive essa intenção na minha vida, mas ela foi me empurrando para isso”, diz o cantor. Aos 81 anos e resplandecendo nos palcos em performances que deixam o público incrédulo diante de sua vitalidade, ele segue questionador e trabalha intensamente, como sempre fez. Recebe e envia nudes, falando disso abertamente. E não tem medo da morte. “Essa questão passa pela Igreja Católica, pela ideia de culpa e pecado, que deixa as pessoas permanentemente receosas. O inferno é aqui mesmo”, diz. Neste mês, Ney prestigiará em São Paulo a estreia do musical Homem com H, sobre sua vida, viaja a cada três dias por capitais do Nordeste como parte da turnê do disco Bloco na Rua e fecha setembro, no dia 30, no palco do carioca Qualistage — a data anterior, em agosto, acabou esgotada rapidamente, daí a necessidade de uma segunda apresentação na casa de espetáculos da Barra. Num raro intervalo, ele concedeu a VEJA RIO uma entrevista franca e direta, bem ao seu estilo.
Acredita que, com sua abordagem livre sobre sexualidade desde os primórdios de sua carreira, acabou por abrir as portas da diversidade a outros artistas? Acho que sim, mas também não fico me gabando de nada. E se disserem que não, também não tem problema. Acho que muita gente percebeu que era possível existir plenamente quando me viu sendo verdadeiro. E, à medida que as pessoas vão tomando essa consciência, fica muito difícil abdicar desse direito.
Você já declarou que não se considera gay. Procede? Não, eu nunca disse isso.
Era fake news? Como falaria uma coisa dessas? Eu sou coerente.
Você se incomoda quando o colocam em um escaninho? Me incomodo quando querem me restringir a isso, porque esse é apenas um aspecto da minha personalidade. A sexualidade não é o que define a pessoa. Tem muito mais em jogo. O sexo na minha vida é diversão, um playground. Eu ainda gosto. É claro que não tenho mais a mesma vida ativa dos 30 anos, mas estou atento.
Sente-se representado pelo movimento LGBTQIA+? O abecedário está aumentando e há momentos em que já não me lembro o que significa cada letra. Mas tem gente que gosta de estar ali dentro. Eu quero transitar por todas as letras. E se descobrir mais sobre mim mesmo, ângulos que me interessem, eu vou atrás para explorar.
Como define liberdade? É me exercitar como ser humano, ser quem eu sou sem precisar correr nem me esconder de ninguém. Não quero viver com medo de nada.
Quais cantores da nova geração despertam sua admiração? Gosto de muita gente. Ontem, por exemplo, estava ouvindo Liniker.
“Não tenho necessidade de ficar na internet dando palpite em tudo. Eu sou a minha própria bandeira”
O que acha da Anitta, que se tornou a primeira brasileira a vencer o VMA da MTV? Uma pessoa, para chegar onde ela está em tão pouco tempo, significa que teve empenho, competência, dedicação e talento para conduzir sua carreira.
Você notou diferença no comportamento do público antes e depois da pandemia? Com certeza, estou muito impressionado como está tudo lotado. Não apenas meu show, mas também os teatros, as casas de espetáculos. Acho que todo mundo estava com um desejo reprimido de se divertir e sair de casa.
Você também tem saído para se divertir? Fui ao cinema um dia desses, coisa que não fazia havia muitos meses. Mas estou numa batida muito forte de trabalho, então, quando estou em casa, não quero ir para canto nenhum.
Tem boa relação com as redes sociais? Faço meu próprio Instagram, mas não quero entrar em site para debater nada. Não tenho necessidade de estar na internet dando palpite em tudo.
Por que não gosta de levantar bandeiras? Eu sou a minha própria bandeira. Não acho necessário discurso se nas suas ações você já mostra o que é e o que pensa.
Se incomoda com artistas que cobram posicionamento de outros artistas? Cada um é livre para pensar e fazer o que quiser na vida, e ser responsável por suas escolhas, para o bem e para o mal.
Como avalia o governo atual? Não quero falar nada do governo e não vou declarar voto. Tenho 80 anos, não sou obrigado a votar, mas vou.
Continua mandando nudes mesmo depois que vazou uma foto sua no Instagram? Recebo nudes. E, às vezes, mando de volta, outras não. Porque eu também não vou ficar só nessa.
Como assim? Já entendi que essa troca é virtual mesmo. Não é para você ter ilusão de que haverá necessariamente um encontro. Aquilo dali é assim: as pessoas aparecem de vez em quando e daqui a pouquinho ninguém mais se fala. Essa comunicação pela internet não é real.
A internet fez a paquera ficar mais interessante em algum grau? Acho que era mais gostoso antes. Você se aproximava de uma pessoa, uma coisa se acendia e você ia. Tinha algo da sedução ao vivo que eu gostava. Olhar, sentir, retribuir, ver tudo isso no rosto. Apreciava muito mais isso, inclusive, do que de ir para a cama.
Tem medo da morte? Como vou ter medo da única certeza que tenho na vida? Essa questão de medo passa pela Igreja Católica, pela ideia de culpa e pecado, que deixa as pessoas permanentemente receosas. Que inferno? O inferno é aqui mesmo.