Durante os meses de isolamento, o estudante de medicina veterinária Eduardo de Moraes, 21 anos, abriu mão de uma das atividades que mais lhe davam prazer: as aulas de equitação. O forçado período de inércia acabou desmotivando o jovem morador de Botafogo a regressar aos trotes e saltos, mesmo quando as curvas pandêmicas já melhoravam. Pois tudo mudou após ter o interesse novamente despertado pelas belas cenas de galope tão abundantes em Pantanal, a trama das 9 que virou fenômeno. “Nunca fui de assistir a novela, mas tanto falatório me causou interesse e logo quis voltar a montar”, lembra Eduardo. Ele compõe uma parcela da população que, flechada pelo folhetim, aderiu ao que já é chamado de “febre pantaneira”. Em pleno 2022, quando plataformas de streaming e redes sociais não param de se expandir, o remake da história exibida há mais de três décadas pela extinta TV Manchete extrapolou as telas. Com recorde atrás de recorde — vem batendo perto dos 40 pontos de audiência na região metropolitana —, a novela domina a imensidão do universo digital com memes, figurinhas de WhatsApp, comentários, e ainda dita moda em vitrines, no cabeleireiro e até serve de inspiração a festas temáticas. Coincidência ou não, uma das novas camisas oficiais da seleção brasileira de futebol, que entrará em campo durante a Copa do Catar, veio com grafismos inspirados na onça-pintada — e se esgotou em pouco mais de uma hora após o lançamento.
A alta popularidade de Pantanal se traduz em números captados pelo Google Trends: tanto a trama quanto o bioma no qual ela é ambientada registraram um aumento de procura de 860%. E isso se desdobra fora do mundo virtual, no avanço do turismo na região que serve de set. As buscas pelo destino subiram 160% neste ano, segundo a empresa Decolar, que oferece passagens do Rio para Campo Grande (MS) a partir de 940 reais. A identificação com a novela tem se refletido em outros departamentos da vida. “Depois do primeiro mês, sentimos que o enredo tinha tocado o coração do consumidor”, confirma a empresária Vivian dos Santos, dona da Vivan Festas, rede com sete megalojas de venda e aluguel de artigos para comemorações. No portfólio, os produtos com ares pantaneiros vão de louças e guardanapos a balões e réplicas de onças e pássaros. “Esses itens têm se esgotado no nosso estoque”, comemora. “Lembro de uma semana em que saíram mais de 600 pratos com temática animal”, arremata.
Quase a metade do público de Pantanal gira em torno de 15 a 29 anos. Encabeçado por Bruno Luperi, neto do veterano Benedito Ruy Barbosa, autor da obra original, o remake falou a essa turma da geração Z ao dar contornos mais atuais aos personagens. Curiosidade: quando completou 2 anos, o próprio Luperi ganhou uma festinha temática com os bichos que apareciam com tudo no fenômeno da teledramaturgia então liderado por seu avô. “Floresta sempre foi um assunto querido pelas crianças, mas a novela deu a chance de sair do lugar-comum, explorando-se outras paisagens”, observa a decoradora Roberta Niemeyer, viciada na trama, que recentemente produziu o primeiro aniversário infantil com tema pantaneiro. E a onda da TV para a vida vai além. Na seara da beleza, muita gente, sobretudo os mais jovens, chega pedindo cortes de cabelo à la Juma Marruá (longo, ondulado e volumoso), a protagonista-onça de temperamento selvagem, interpretada por Alanis Guillen. “A quarentena resgatou o valor no que é natural, e isso casa perfeitamente com essa referência que as clientes têm trazido para o salão”, comenta Fil Freitas, do Fil Hair & Experience, em Ipanema, onde os cortes vão de 360 a 800 reais. Há inclusive aqueles que pedem estampas de oncinha gravadas em cabelos raspados.
Considerada fora de moda durante muito tempo, às vezes tachada de cafona, a tendência conhecida como animal print voltou com tudo. Qualquer voltinha pelas ruas ou pelos principais e-commerces de grandes marcas, das grifes Farm, Dress To e Oh, Boy! a exemplares mais populares, como C&A ou o tradicional Mercadão de Madureira, vai revelar um manancial de peças no estilo animal. “Essa vibe, associada ao uso de materiais naturais, já está fazendo muito sucesso e é minha grande aposta para o próximo Carnaval”, adianta Clara Andrade. Não é botar o carro na frente dos bois, nesse caso. No ateliê de sua marca Libertina, na Fábrica da Bhering, há hoje, em agosto, encomendas de fantasias nessa linha para a festa momesca, o que a motivou a produzir chapéus e buckets (aquele modelo eternizado pelos pescadores no início dos anos 2000) a partir dos motivos da trama. Até mesmo a fabricante de tintas Suvinil pegou carona na boa acolhida e lançou uma paleta com cores inspiradas naquelas bandas do país. A equitação, aliás, retornou com força, segundo atesta o professor Bernardo Jeolás, da Escola Hermes Vasconcellos. “Alguns vêm achando que vão montar de cara e fazer tudo como na novela, mas esse é um esporte de médio a longo prazo, com evolução gradual”, explica ele, que notou uma alta de 30% nas matrículas em quatro meses.
Esta não é a primeira vez, e certamente não será a última, que uma novela influencia comportamentos e hábitos de consumo. Os trintões devem se lembrar do anel-pulseira usado por Jade, personagem de Giovanna Antonelli em O Clone, novela exibida em 2001. À época, o folhetim de Gloria Perez também estimulou a onda das aulas de dança do ventre e rendeu bordões repetidos à exaustão no dia a dia (quem não se lembra de “Cada mergulho é um flash” e “Não é brinquedo, não?”). Já na era das redes sociais, Avenida Brasil causou tanto furor que provocou uma debandada das ruas em 19 de outubro de 2012, quando todo mundo foi para casa para assistir ao derradeiro episódio. O que faz com que um remake como Pantanal gere tanto frisson no público após mais de trinta anos? “A novela se passa fora do centro urbano, traz todo um encantamento de uma região não muito conhecida, além de conter um caráter lúdico com suas lendas”, analisa Carol Fernandes, coordenadora do laboratório de tendências da Casa Firjan. Na esteira, a emissora já planeja reeditar outros clássicos, como Xica da Silva e Roque Santeiro. Mas, por ora, o momento é pantaneiro, dos pés à cabeça.
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Febre pantaneira
Como entrar no clima da novela das 9
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