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O pastor é pop: Henrique Vieira atrai audiência de todos os matizes

Fenômeno dentro e fora das redes, líder evangélico desponta por enxergar a religião além dos conservadorismos e dogmas

Por Ines Garçoni
20 Maio 2022, 06h00
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    Henrique Vieira: “Minha militância é ampla em campos distintos da sociedade” (Leo Lemos/Divulgação)

    Ainda na adolescência, Henrique Vieira ficou praticamente cego. Uma grave inflamação no nervo óptico fez com que passasse dois anos, enquanto se preparava para o vestibular, sem poder ler, escrever nem sequer andar sozinho. Na época, era aluno bolsista, pobre, negro e evangélico de um colégio particular. Já nesses tempos, o menino se dava com grupos variados e furava bolhas ideológicas, graças à sua capacidade de diálogo. Era um dos mais populares da escola. “Sempre fui muito tranquilo, gosto de trocar ideia. Eu falava do Flamengo e logo ficava amigo, né?”, brinca.

    A notícia da doença impactou os colegas de tal forma que eles se revezavam para ajudá-lo a estudar, copiando em letras garrafais as matérias em seu caderno. Henrique ficou entre os primeiros colocados em todos os vestibulares que prestou e formou-se em história, sociologia e teologia, quase simultaneamente. Depois de longo tratamento, a cegueira se foi, embora não 100% — ele tem apenas visão periférica —, o que não o impediu de despontar como uma liderança evangélica reconhecida por enxergar além dos conservadorismos e dogmas, cativando gente de diferentes credos com um discurso franco, direto e capaz de tecer autocríticas.

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    Nascido e criado no bairro do Fonseca, em Niterói, e hoje morador de Laranjeiras, o pastor Henrique, de 36 anos, filho de um alfaiate e de uma professora, é também ator, professor, escritor, militante, ativista, poeta, palestrante e acumula mais de meio milhão de seguidores só no Instagram — os cantores Caetano Veloso e Gilberto Gil, de quem frequenta a casa, as atrizes Paolla Oliveira e Bruna Marquezine e a jornalista Maju Coutinho estão no rol.

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    Após fundar a Igreja Batista do Caminho, celebrar casamentos e cultos é uma das ocupações que lhe tomam a agenda (a de casórios vive cheia, com cerimônias semanais marcadas em várias cidades do país e até no exterior). As incursões artísticas contribuem para alavancar sua popularidade, como a atuação no filme Marighella, de Wagner Moura — cuja união também celebrou —, a participação no disco de Emicida e no palco do Lollapalooza ao lado do cantor e a presença em inúmeros programas de TV.

    Com Chico Buarque e no lançamento do filme Marighella: atuações múltiplas -
    Com Chico Buarque e no lançamento do filme Marighella: atuações múltiplas – (./Arquivo pessoal)

    Mesmo que soem inconciliáveis, todos os ofícios de Henrique são delineados por sua militância em prol de causas como a luta antirracista e a união homoafetiva. “Henrique é uma das pessoas que melhor faz a junção entre poesia, força e lucidez”, elogia Lázaro Ramos, coprodutor da peça O Amor Como Revolução, escrita pelo pastor com base em seu livro homônimo. “É um talento muito específico. Eu me emociono muito sempre que o ouço”, completa o ator.

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    Em abril, Henrique, que se põe abertamente contra o atual governo, lançou a campanha inter-religiosa “Derrotar Bolsonaro é um Ato de Amor”, reunindo cristãos de igrejas diversas. “O projeto bolsonarista é diabólico”, vaticina.  Ser um pastor diferente, entusiasta do Estado laico em um país onde a religião evangélica — declarada por 31% da população, segundo o Datafolha — mobiliza causas como a defesa da moral, da família e um forte sentimento antiesquerda, não é nada trivial, e ele sente isso na pele.

    Para além dos púlpitos: no programa de Fátima Bernardes e ao lado de Caetano Veloso -
    Para além dos púlpitos: no programa de Fátima Bernardes e ao lado de Caetano Veloso – (./Arquivo pessoal)

    Ex-vereador pelo PSOL em Niterói, Henrique se dedica a combater o que vê como “abusos das igrejas pentecostais conservadoras”, cuja representatividade política avança cerca de 20% a cada pleito municipal e 10% em eleições federais, segundo o Instituto de Estudos da Religião (Iser). “Sites gospel me achincalham o tempo inteiro, sou diariamente atacado por haters”, relata.

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    Mas, com sua expertise em empregar a palavra para demolir discursos calçados em ódio e desinformação, acredita na construção de pontes com essa parcela de brasileiros, ainda que a tarefa não passe pelos palanques (recentemente, ele vem resistindo a pedidos para se candidatar a deputado federal). Casado com a atriz Caroline Inácio, pai de Maria, de 4 anos, e com planos de inaugurar uma sede para a sua igreja — hoje uma entidade com vida apenas nas redes —, ele acha que uma ida a Brasília acabaria por diminuir seu alcance. “Minha militância é ampla em campos distintos da sociedade”, justifica.

    Atração especial: o pastor costuma pregar nos shows de Emicida -
    Atração especial: o pastor costuma pregar nos shows de Emicida – (Lollapalooza/Divulgação)

    Na esfera religiosa, ele prega a existência de um Jesus negro, oriundo da periferia de Nazaré, em contraste com a figura muito mais disseminada. “O chão da Bíblia tem a ver com o quilombo, mas a sua leitura é feita pela casa grande. Ela vem dos pobres e vulneráveis, mas é interpretada pelos ricos e poderosos”, defende Henrique, cuja principal inspiração é o pastor e ativista negro americano Martin Luther King Jr. (1929-1968). A propósito do tema, prepara os livros Jesus da Gente e Jesus Negro.

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    Foi na adolescência que começou a relacionar o cristianismo com a ideia de justiça social. Aluno do ex-deputado Marcelo Freixo (PSB), atual candidato ao governo do Rio, conheceu o manicômio judiciário Frei Caneca, como parte de um trabalho de escola. “Aquilo foi muito impactante para o Henrique, uma virada de chave, dessas que só acontecem às vezes na vida da gente”, lembra Freixo. “Mexeu na sensibilidade dele, em um lugar de percepção das injustiças.”

    Das livrarias aos palcos: novo livro com a monja Coen e o padre Julio Lancellotti (à esq.), e peça de teatro dirigida por Lázaro Ramos (à dir.) -
    Das livrarias aos palcos: novo livro com a monja Coen e o padre Julio Lancellotti (à esq.), e peça de teatro dirigida por Lázaro Ramos (à dir.) – (Ligia Skowronski; Mauricio Fidalgo/TV Globo)

    Na mesma época, o jovem seminarista evangélico descobriu a existência de uma ala progressista da Igreja Católica, nas figuras de Dom Hélder Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns. Hoje, prepara um livro com outro expoente católico com quem compartilha a luta contra fundamentalistas religiosos: o padre Julio Lancellotti, de São Paulo. A obra, com a participação da monja Coen, será, segundo ele, um tratado sobre o amor.

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    “Seguimos o mesmo Jesus, o do Evangelho, e acreditamos que o amor é dádiva, doação, entrega e compromisso”, diz Lancellotti, para quem a ascensão de Henrique pode ser um bom sinal de novos tempos na igreja evangélica. Para o pastor, ainda falta chão nessa direção, um caminho longo e exaustivo que ele percorre com notável disposição e leveza.

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