Com plateias cheias, a cena teatral carioca vive momento de efervescência
Peças para todos os gostos em cartaz e a reabertura de tradicionais salas de espetáculo que estavam fechadas são sinal do bom momento das artes cênicas
Não é força de expressão dizer que, hoje, a programação teatral carioca se desenrola de domingo a domingo. Além de dois grandes festivais de humor em cartaz até fevereiro nos palcos do Qualistage e do Multiplan, Mônica Martelli se apresenta quatro vezes por semana no Casa Grande, Clarice Niskier está no Fashion Mall, e Ana Beatriz Nogueira comemora quatro décadas de carreira no Teatro das Artes com Sra. Klein. Muitos desses espetáculos, inclusive, vêm se esgotando rapidamente, logo se convertendo em sucesso de bilheteria.
Se no passado o segredo para ter casa cheia era enveredar por textos engraçados, agora os mais diversos formatos caem no gosto do público — monólogos, musicais, dramas e peças experimentais, além, é claro, de comédias e stand-ups. Esse interesse renovado pelas artes cênicas é empurrado por uma série de fatores e revela uma bem-vinda vitalidade da cultura. Um dos motores de atração de fartas plateias tem relação com o chamado “efeito champanhe” — a expectativa de uma elevada procura por eventos externos com a retomada no cenário pós-pandêmico. É algo semelhante ao que ocorreu em outros momentos da história, como no período após a II Guerra, em que o alívio depois de tão dolorida ferida desaguava nas artes.
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Por estas praias e noutros cantos do mundo, da efervescente Broadway à bela Ópera de Paris, a profecia, por assim dizer, se cumpriu. “As pessoas estavam ávidas para sair, ver gente, assistir a alguma coisa ao vivo”, observa Aniela Jordan, presidente da Aventura Entretenimento e sócia do Instituto Evoé, responsável pela gestão e curadoria das programações do Riachuelo, no Centro, e do Adolpho Bloch, na Glória. A produtora cuida ainda da Ecovilla Ri Happy, dentro do Jardim Botânico, que inaugurou a programação adulta em outubro.
A internet também teve papel fundamental nessa equação, levando às salas de espetáculo pessoas que não estavam habituadas a frequentá-las. Artistas que são fenômenos nas redes sociais, sobretudo no humor, são forte chamariz, estimulando muita gente a travar seu primeiro contato com as artes cênicas — movimento que ganhou um empurrão em tempos recentes. Durante a pandemia, uma turma que não ia ao teatro passou a assistir a peças on-line, jeito encontrado pelos artistas para a vida seguir. Também políticas públicas de incentivo à cultura, antes minguadas, foram sendo retomadas, e estão contribuindo para a profusão de temporadas e a reabertura de espaços tradicionais.
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Fechado desde 2018, o antigo teatro do Centro Cultural Correios acaba de reabrir, agora chamado Teatro Correios Léa Garcia, em homenagem à atriz carioca (1933-2023). Em cartaz no espaço de 185 lugares, o premiado solo Macacos, com texto, direção e atuação de Clayton Nascimento, vencedor do Prêmio Shell. Em setembro, passados três anos, o teatro do Planetário voltou à ativa reformado e batizado de Domingos Oliveira, em homenagem ao ator, dramaturgo e cineasta, que foi por anos diretor ali, e atualmente recebe o festival Movimentos de Solo, com monólogos femininos.
Uma série de outros endereços também vai passar por obras ou reabrir. O centenário Carlos Gomes, na Praça Tiradentes, gerido pela prefeitura, atualmente em restauração, aparece nesse rol. “É a reforma mais completa pela qual o teatro já passou. A gente está refazendo tudo”, conta o secretário municipal de Cultura, Marcelo Calero, que prevê a reinauguração para junho de 2024. O Ipanema e o Ziembinski, na Tijuca, também serão recauchutados pela prefeitura. A Funarj, que faz a gestão dos espaços culturais do governo do estado, promete outras novidades (leia mais embaixo).
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Toda essa agitação acaba por atrair marcas interessadas em investir nas artes cênicas, seja como apoiadoras de espetáculos ou até dando nome aos espaços — o famoso naming rights. É o caso do teatro do Jockey, que recém passou por melhorias estruturais e agora se chama Prio. “Durante anos, o teatro ficou sem apoio para resgatar toda a história linda dele, que é antiga e tradicional”, afirma Gabriel Hackme, gestor de projetos incentivados e patrocínios da empresa de energia.
A capacidade de se conectar com o mundo de hoje é mais um ingrediente dessa boa fase dos palcos cariocas. São muitos os espetáculos que estabelecem elo com as demandas atuais, mesmo no caso de textos clássicos. Após temporada de três meses com casa cheia no Poeira, em Botafogo, Tempestade é uma obra de Shakespeare que originalmente tem protagonista masculino, o duque Próspero. Ele virou Próspera, interpretada por Julia Lemmertz. “Quando você muda o gênero do protagonista, muda tudo: o enfoque, o olhar. E ainda assim é Shakespeare, e a gente está ali, contando uma história que faz sentido, porque fala de poder, de vingança, de amor e desesperança, e de esperança também, por um recomeço”, diz a atriz. Só resta aplaudir.
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Vida nova
Outros palcos que passam por reformas
Mais antiga casa de espetáculos em atividade do país, o Teatro João Caetano, de 210 anos, fechou as portas em dezembro para passar por uma reforma prevista para durar seis meses. O lugar sofrerá três grandes transformações: troca de toda a rede elétrica (a atual é dos anos 1970), modernização do sistema de refrigeração e instalação de placas de energia solar, garantindo o uso de energia limpa.
Além do João Caetano, a Funarj, responsável pelos centros culturais do estado, promete melhorias na Sala Cecília Meireles, no Teatro Arthur Azevedo, em Campo Grande, no Armando Gonzaga, em Marechal Hermes, e no Glaucio Gil, em Copacabana. Há doze anos interditado, desde que foi destruído por um incêndio, o Villa-Lobos também receberá guindastes no processo de reconstrução do emblemático palco, fundado em 1979.
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