“Hoje é o Dia Internacional do Autismo e eu estou há quase duas semanas em quarentena, trancada em casa com o meu marido, Paul, e meus dois filhos: Joaquim, de 13 anos, e Francisco, de 16. O Chico é autista severo e não-verbal, o que significa que ele não fala e depende de outras pessoas para fazer quase tudo. Ele come por conta própria mas precisa de auxílio para se servir, para cortar a carne. Ir ao banheiro sozinho às vezes ele consegue, às vezes, não. Meu filho se comunica por cartões, numa metodologia chamada PECS, criada por um americano: é um sistema internacional de comunicação através de figuras, adotado por autistas em todo o mundo. Os cartões têm mensagens como “Quero comer macarrão”, “Quero brincar com o tablet”… Por falar em tablet, essa é a única coisa que ele consegue fazer sem ajuda alguma. Ele sabe manusear corretamente o computadorzinho, encontra os vídeos que quer no YouTube, tem toda uma lógica própria.
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Chico ficava na rua das 8h às 17h, de segunda a sexta. Eu e o Paul dividimos o tempo dele entre aulas especiais, terapia, fonoaudiólogo e outras atividades. Tudo isso está suspenso por causa da pandemia de coronavírus, e agora nós passamos 24 horas por dia juntos. Tivemos que parar, pensar e tentar fazer com que a vida dele não fosse tão abalada em tempos de reclusão. Em casa, tínhamos também a ajuda da Maria, uma senhora que é como se fosse da família. Agora estamos sem ela, que tem mais de 60 anos e está com o marido doente. O quarto de empregada virou meu escritório e tivemos que nos reorganizar, já que estamos trabalhando de casa. Eu sou jornalista e o Paul é consultor em tecnologia. Temos que dar atenção também para o Joaquim, que assim como o irmão, também estava acostumado a uma rotina. Não está sendo fácil mas acho que nessas semanas estamos conseguindo grandes avanços.
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Tudo graças ao tempo juntos, o tempo que nunca tínhamos, até agora. Com o trabalho em casa, ganhamos mais entendimento sobre as oscilações emocionais do Chico e, com isso, podemos monitorar e ajudar na interação social, reforçando as discussões com a psiquiatra, para a adequação dos medicamentos, por exemplo. Confesso que já chorei pensando como seria se um dos meus filhos fosse levado por essa doença. Já me peguei olhando para o Chico e pensando como aguentaríamos sem ele. Por isso, estamos celebrando todas as idas voluntárias ao banheiro, todos os pedidos através dos cartões, as brincadeiras, o sorriso largo com que ele nos presenteia. Aqui em casa, nosso desejo é que Chico fique cada vez mais independente e que as pessoas sejam mais tolerantes. Tomara que todo esse sofrimento nos traga maturidade. A minha certeza é que o amor entre o quarteto só está aumentando, os meninos amadurecendo e a gente se refazendo. No final, vamos aprender e sair mais fortes dessa tormenta”
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