“Você não vai fazer filme para agradar a minoria com dinheiro público!”. A afirmação de Regina Duarte em entrevista ao “Fantástico” deste domingo, verbalizando um temor da classe artística em relação ao governo Bolsonaro, caiu como uma bomba entre os ex-colegas de trabalho da nova secretária da Cultura. Não houve grandes surpresas, mas dá para dizer que sua fala, tão explícita, logo na primeira entrevista à frente do cargo, assustou quem faz arte no país. Regina também anunciou que “o dinheiro público deve ser usado de acordo com algumas diretrizes importantes, porque é o que população que elegeu esse governo espera dele”, e que “o governo trabalha para todos. E todos estão livres pra se expressar. Contanto que busquem seus patrocínios na sociedade civil.”
Ator de “Bacurau”, um dos filmes que mais agradou às minorias de todo o país e levou uma baciada de prêmios internacionais, como o do Festival de Cannes, Silvero Pereira considerou “extremamente equivocadas” as respostas sobre governo, produção e arte dadas pela atual secretária de Cultura. Para o ator nordestino, drag queen e criador do coletivo artístico As Travestidas, “se o governo não gera oportunidades para as classes menos favorecidas, não será a sociedade civil que irá solucionar os problemas de visibilidade, identidade e representatividade”. O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles custou cerca de R$ 8 milhões – investimentos vindos de empresas públicas e privadas, do Brasil e da França. Na opinião de Silvero, que no longa interpreta um cangaceiro andrógino, “não existe produção para ‘agradar minorias’, muito menos o discurso de que ‘todos estão livres para se expressar’.
Mariza Leão é enfática. Produtora de “O Paciente – O Caso Tancredo Neves” (Sérgio Rezende) e da trilogia “De Pernas Pro Ar” (1 e 2, de Roberto Santucci e o terceiro, de Julia Rezende), entre outros, ela afirma que “a arte não se sustenta pelo princípio do agrado”. Mariza diz que as produções culturais “não são feitas para agradar nem a maioria nem a minoria. Projetos com repercussão de bilheteria muitas vezes contradizem o senso da maioria ao abordar temas e assuntos tabus”, destaca. “E aliás”, continua, “que maioria é essa? Os 55% que elegeram Bolsonaro? E todos eles pensam igual?”. Ela enxerga o que pode ser uma inconsistência no raciocínio da secretária: “Filtrar a produção audiovisual pelo ‘gosto da maioria’ pode dar um baita prejuízo nos investimentos públicos… afinal, o público que paga ingresso para ver filmes não espelha essa ‘maioria’. Caso espelhasse, Parasita não teria feito 500 mil espectadores, Bacurau, 700 mil. Nem o próprio “Minha Mãe é uma Peça 3” com seus mais de 12 milhões, não se insere – a priori- no papinho que essa “maioria” leva na sala de estar…”. (O filme é inclusivo, pró-LGBT e faz um discurso claro contra a homofobia). Cavi Borges, diretor de filmes experimentais, atenta para um outro lado dessa questão do investimento em filmes “para minorias”: “Os filmes que agradam ao grande público conseguem patrocínio de banco, de grandes empresas, têm retorno de bilheteria… Não precisam tanto da ajuda do governo. Quem precisa mesmo são os filmes mais autorais”, diz ele, que lança este ano o filme “Fado Tropical”, uma coprodução Brasil-Portugal.