Desde que estreou na televisão, aos 14 anos, Sophie Charlotte engatou um trabalho no outro. Só nos últimos três anos, a atriz protagonizou uma série (Passaporte para Liberdade), uma novela (Todas as Flores), três filmes (O Rio do Desejo, Meu Nome É Gal e Virginia e Adelaide, previsto para este ano) e ainda rodou o primeiro longa estrangeiro, O Assassino, dirigido pelo prestigiado David Fincher, de Clube da Luta. “Foi uma experiência tão boa que fiquei com vontade de me dedicar mais à carreira internacional.” A vantagem em relação ao idioma ela já tem. Sophie nasceu e morou na Alemanha até os 8 anos, experiência da qual saiu fluente em inglês e alemão. Hoje aos 34 e com duas décadas de carreira, acaba de ressurgir em cena na segunda fase da novela Renascer, no papel de uma mulher ambiciosa interpretada na primeira versão por Patricia Pillar, em 1993. “De lá para cá, os entendimentos do feminino mudaram um pouco, então escolhi características diferentes para abrir novas possibilidades de interpretação”, conta a atriz, que também falou a VEJA RIO sobre a volta dos remakes, o mercado de streaming e como dribla o estresse da maratona em que mergulhou.
No ar em Renascer, você contabiliza seu terceiro remake. Estão faltando novos textos capazes de atrair público? Se houvesse uma receita de sucesso, todas as novelas estariam aplicando. O interessante na arte é ter a sensibilidade de ler o momento e se conectar com seu tempo. Esses remakes não voltaram à toa. Algo nessas dramaturgias se faz necessário de novo. Em um momento de excesso de informações imediatas, é curioso estarmos retomando uma história como a de Renascer, com realismo fantástico, a força do folclore, questões familiares e conflitos geracionais.
Em entrevista a VEJA RIO, Antonio Fagundes disse que os roteiristas brasileiros, influenciados pela forma americana de fazer TV, passaram a serializar as nossas novelas e isso mexeu em um formato que há décadas dava certo. Concorda? Talvez muitos tenham caído nessa armadilha de que, com cenas mais curtas, a novela fica mais ágil. Mas não compro essa ideia. As minhas séries favoritas têm cenas de meia hora em que você não pisca. O que conta mesmo é a potência da história.
Após trabalhar com David Fincher, um dos maiores diretores da atualidade, com três indicações ao Oscar, pretende investir na carreira internacional? Sim, foi uma experiência fantástica. Fui muito feliz e me deu uma curiosidade grande de experimentar mais.
O avanço do streaming democratizou o mercado audiovisual, como alguns sustentam? Democratizou para quem?
Para os atores? É fundamental ter um mercado amplo e representativo de nossas diferenças culturais, mas, ao mesmo tempo, vários streamings estão sendo comandados por pessoas que não entendem do meio artístico brasileiro. É fundamental discutir a legislação e as questões trabalhistas locais.
“Tudo o que envolve a escolha da mulher sobre seu próprio corpo incomoda. Até hoje existe uma cartilha do que é esperado de nós”
As cenas de sexo nas produções costumam contar com alguém especializado no set para orientá-la, como ocorre em outras películas? Não. Embora seja fundamental um coordenador de cenas de intimidade no set, ainda não é algo comum por aqui e, por muito tempo, o assunto ficou à deriva. Mas o diálogo sobre como o corpo deve ser mostrado é muito importante. Afinal, meu corpo está a serviço da história ou ele é um objeto de desejo simplesmente por ser feminino? O grande norte, para mim, deve sempre ser a dramaturgia da personagem.
Há trinta anos, sua atual personagem em Renascer gerou polêmica em relação a engravidar ou não. Acredita que ainda hoje a mulher que escolhe não ter filhos é julgada? Tudo o que envolve a escolha da mulher sobre seu próprio corpo incomoda. Até hoje existe uma cartilha do que é esperado de nós. E quando se faz uma escolha diferente daquela que está ali, isso logo gera cobranças.
O que exatamente é martelado nessa cartilha? É solteira? Está namorando? Vai casar? Ter filhos? Vai recuperar o corpo após o parto? Não sei quem estabeleceu essas obrigações, mas isso não define uma mulher. Neste sentido, é interessante, por meio da dramaturgia, poder libertar a personagem de tais cobranças e, de alguma maneira, o próprio telespectador.
A dramaturgia deve servir à defesa de certas bandeiras? A gente vive em tempos de grandes extremos. É claro que é preciso se colocar absolutamente a favor da democracia, da luta antirracista, dos direitos das mulheres, da comunidade LGBTQIA+, sobretudo em um país que apresenta os níveis de transfobia que o Brasil tem. Manter a ferramenta da dramaturgia atenta, mas não necessariamente panfletária, pode ser um bom caminho.
O fato de muitos artistas fazerem de tudo pela relevância no mundo digital deturpa o ofício do ator? Se eu fosse uma jovem atriz agora, não sei que uso eu faria das redes. Entendo que tem um mercado publicitário imenso e sei que há produções que examinam a influência de cada um antes de decidir uma escalação. Mas a dinâmica, no fundo, não mudou muito. Antes, a questão era se você frequentava determinados grupinhos e aparecia nas revistas.
Já sofreu pressão para expor mais sua vida para alavancar a carreira? Desde nova, eu ouvia que tinha que estar em todos os eventos, do contrário, não me chamariam mais. Recentemente, já me disseram: se você não acelerar nas redes, daqui a pouco não vai mais fazer publicidade. Faço como eu me sinto confortável, na minha medida. E não me cobram mais.
Com tantos trabalhos, como lida com o estresse? Meu objetivo na vida é entender que não é necessário dar conta de tudo. Tenho um compromisso muito grande, faço o melhor que consigo, mas tento me comprometer apenas com aquilo que me faz bem. Finalmente entendi que não preciso mais agradar a todo mundo.