“E eu toquei com o Chico Buarque. Até hoje não sei o que fazer com essa frase. Acho que vou pedir que seja meu epitáfio”. É com uma declaração de fã que o escritor e saxofonista Luis Fernando Verissimo encerra o depoimento que deu sobre Chico Buarque ao designer pernambucano Augusto Lins Soares, que está lançando o livro “Meu caro Chico — Depoimentos”. O livro reúne 60 crônicas, ensaios, poemas, bilhetes e comentários em redes sociais sobre o compositor de olhos de ardósia. Escrito em 2017, a princípio para ser incluído em “Revela-te, Chico — Uma fotobiografia”, lançada por Augusto em 2018, o texto – que você lê abaixo com exclusividade – permaneceu inédito. E se juntou aos outros, escritos por ninguém menos que Clarice Lispector, Glauber Rocha, Rubem Braga, Antonio Candido, Augusto Boal, Cacá Diegues. José Saramago, Lula, Caetano Veloso, Teresa Cristina… Uma lista de personalidades de várias áreas que aqui se revelam admiradores.
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“Quando estava pesquisando imagens para a fotobiografia, em 2017, encontrei vários textos sobre Chico. Cheguei a pedir alguns depoimentos sobre ele a pessoas como Verissimo, que tivessem trabalhado com ele ou fossem bem próximas, para mostrar várias nuances de quem ele é. Isso incluiu textos com pontos de vista além do artístico, passando por ângulos político, pessoal e até psicanalítico. Assim, temos um retrato multifacetado dele”, diz Augusto, que acabou guardando o material garimpado para o projeto do novo livro. Outro fator que contribui para ampliar este retrato é o fato de os depoimentos serem de personalidades de várias gerações: “Assim é possível mostrar como Chico estava sendo visto ao longo do tempo“.
Em “Admirável Chico”, Verissimo revela suas canções favoritas (Samba do grande amor; Sabiá, em parceria com o Tom Jobim; e Sobre todas as coisas, com o Edu Lobo) e diz que “aquela cara de garoto não combinava com suas primeiras melodias e suas letras incomparáveis, já tão engenhosas e inteligentes”. Depois conta a história que pretende levar para o túmulo em grande estilo: “Eu tocava saxofone numa banda de jazz em Porto Alegre,
e o Chico estava na cidade para um show. Ele e outros membros da sua banda foram nos ouvir no bar em que nos apresentávamos – e o Chico deu uma canja! Cantou A Rita. Depois seu baterista nos diria que o ‘seu Chico’ nunca fazia aquilo. Foi o maior momento na vida da nossa banda“.
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Já Miucha, irmã do compositor e intérprete de muitas de suas canções, emociona ao contar os bastidores da composição de Maninha, escrita para ela. Já a portuguesa Carminho lembra que conheceu Chico através da trilha sonora de novelas brasileiras. O escritor Mario Prata revela que entrevistou Julinho de Adelaide, pseudônimo usado pelo compositor na época da ditadura. E Clarice diz a ele: “Você tem a coisa mais preciosa que existe: é candura”. “Cada texto tem sua singularidade”, resume o autor, que não conhece o retratado pessoalmente.
Confira o texto inédito de Luiz Fernando Verissimo na íntegra:
ADMIRÁVEL CHICO
Admiro o Chico desde que ele apareceu nos anos 1960, com Ole olá. Aquela cara de garoto não combinava com suas primeiras melodias e suas letras incomparáveis, já tão engenhosas e inteligentes. Tudo que o Chico fez desde então – suas músicas, sua poesia, suas peças, seus romances – foi admirável, num nível sempre espantosamente alto. É tão difícil lembrar uma composição ou um texto do Chico que não mantenha o mesmo nível quanto é difícil escolher uma canção favorita entre todas que ele produziu e continua produzindo (as minhas favoritas são Samba do grande amor, Sabiá, em parceria com o Tom Jobim, e Sobre todas as coisas, em parceria com o Edu Lobo). Admirável também é o jeito do Chico de ser célebre e engajado sem ser autodeslumbrado nem panfletário. Durante a ditadura, foi dele a trilha sonora da resistência, driblando a censura, assegurando aos militares que, apesar deles, amanhã seria outro dia.
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Temos nos encontrado pouco, bem menos do que eu gostaria, mas acho que posso dizer que somos amigos. Eu tocava saxofone numa banda de jazz em Porto Alegre e o Chico estava na cidade para um show. Ele e outros membros da sua banda foram nos ouvir no bar em que nos apresentávamos – e o Chico deu uma canja! Cantou A Rita. Depois seu baterista nos diria que o “seu Chico” nunca fazia aquilo. Foi o maior momento na vida da nossa banda. E eu toquei com o Chico Buarque. Até hoje não sei o que fazer com essa frase. Acho que vou pedir que seja meu epitáfio.