Verão eleva consumo de rosés em supermercados, bares e restaurantes do Rio
Com sabor dos tintos e sem perder refrescância dos brancos, eles encontram lugar privilegiado na taça dos cariocas quando a vida borbulha ao ar livre
O astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642), pai do método científico, dizia que, além do líquido, o vinho era composto de luz e humor, traduzindo um certo estado de espírito que a bebida lhe suscitava. Enveredando pelo mesmo campo das subjetividades, pode-se afirmar que os rosés seriam como um típico dia de verão carioca, cravado em um balde de gelo. Pois justamente agora que a temporada do calor chega com tudo, nenhum outro líquido de teor alcoólico tem aumentado tanto o consumo em supermercados, bares e restaurantes do Rio, com a vida começando a borbulhar ao ar livre. Com seu jeitão descontraído, que já o relegou a prateleiras menos prestigiadas pelos enófilos, hoje os rosés estão em ascensão, multiplicando-se nas cartas da cidade sob o embalo da subida no padrão de qualidade ditada, no continente europeu, pelos produtores da Provença, no sul da França. É nesse cenário de tantos encantos e fragrâncias que estrelas hollywoodianas como Brad Pitt e Cameron Diaz se associaram a vinícolas para produzir rosados que se tornaram best-sellers mundo afora (veja o quadro). Sua turma de apreciadores ampliou-se e rejuvenesceu, da Riviera Francesa a Ipanema. “Embora tenha personalidade para qualquer estação do ano, ele combina perfeitamente com o verão, trazendo a expressão de sabor dos tintos sem perder a refrescância dos brancos”, define o arquiteto e fã Davi Melo, 34 anos.
+ Maju Coutinho dispara: “tenho preguiça das redes sociais”
Ele cultiva boas memórias regadas a rosés, como quando esteve no restaurante Escama, onde as taças encontram a companhia de imperdíveis frutos do mar: ali, brindou com a mulher, a médica Marcelle Queiroz, 38 anos, com um rótulo francês de peso, um Georges Duboeuf, produzido na região do Beaujolais. Os rosados têm sido os primeiros a acabar na adega do chef Ricardo Lapeyre. A sommelière Elaine de Oliveira, autora da carta, filosofa sobre a excelente saída desses vinhos: “Eles têm um estilo leve, para descontrair e descomplicar, exatamente o que as pessoas estão buscando depois de todo o susto da pandemia”, diz, e confirma o que a enologia tem pontuado. “A qualidade aumentou muito e há variadas opções de preço acessível.”
O movimento ascendente das garrafas confirma a tendência. Em 2021, as vendas dos rosés expandiram 30% no supermercado Zona Sul, que incrementou o estoque com novos rótulos e trabalha com mais de quarenta variedades de diferentes partes do planeta. “O consumidor percebeu que o rosé não é uma mistura de tinto e branco ruins, como se imaginava na época em que eles eram mal armazenados no calor e oxidavam”, afirma o consultor da casa, o sommelier Dionísio Chaves, enfatizando a versatilidade de tais rótulos. “Caem bem com aperitivos e sobremesas, das saladas às cozinhas orientais, com queijos frescos, peixes e frutos do mar, e até com carnes menos gordas, como o filé-mignon.”
+ Pandemia ajuda a tornar Gávea um respiro para artistas e galeristas
Flexível também na fabricação, o rosé admite qualquer uva vinífera, entre brancas e tintas, de pinot noir a cabernet sauvignon. É obtido por métodos diversos, que têm em comum o tempo reduzido de contato das uvas escuras com o mosto — aquele sumo resultante da prensagem da fruta. Após essa etapa, o suco é separado antes que o vinho ganhe a coloração, para então passar pelo processo de fermentação. É nessa fase que aparecem os aromas de frutas vermelhas, como cereja e morango, o caráter cítrico e as nuances florais, com acidez instigante na boca, que se pronunciam em temperaturas de consumo mais amenas, entre 7 e 12 graus. O calor do verão harmoniza bem com essas características, mas há outros fatores que sopram a favor dos rosés. “Os vinhos mais leves e com teor alcoólico mais baixo ganham espaço em um mundo voltado para a saúde e o bem-estar”, explica a professora de vinhos Ligia Peçanha, diretora da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-Rio). “Não à toa, é notório um interesse maior pelo rosé entre os mais jovens, antenados com essas questões”, arremata.
A saga moderna dos rosados vem dos anos 1940, com o fenômeno português Mateus Rosé, rótulo adocicado, frisante e precursor no conceito “vinho de piscina”. É ainda hoje o rosé mais vendido no mundo, com sua garrafa ovalada, inspirada nos cantis da I Guerra Mundial e exportada para mais de 120 países. Porém, com a exigência recente de bebidas mais secas e elegantes, em geral as garrafas passaram ao formato de ânforas, adotado na Provença para rosados como o cultuado Domaines Ott, que chega à casa dos 600 reais. Entre os franceses de coloração pelure d’oignon (pele de cebola), delicados e expressivos, e os italianos e espanhóis, mais escuros e encorpados, os rosés crescem e aparecem em escala global. Nos Estados Unidos, as vendas dispararam 40% em 2019, segundo dados da Nielsen. Nesse período, o volume comercializado no Rio quase dobrou. Em 2020, o Brasil consumiu mais de 12 milhões de litros, de acordo com a Ideal Consulting. Há alguns meses, produtores italianos lançaram até campanha para criar um emoji simbolizando o rosé, com o qual cada vez mais cariocas querem brindar.
Um empurrãozinho dos famosos
Celebridades estão ajudando a transformar a imagem da bebida
Uma superprodução de Hollywood está em cartaz no sul da França — não exatamente no cinema, mas nas belas vinícolas. O ator Brad Pitt (na foto com o enólogo Marc Perrin) encabeça a lista dos que aderiram ao elenco que põe dinheiro e trabalho para fazer frutificar suas plantações. Ele acompanha pessoalmente a produção de seu Château Miraval, comprado há dez anos por 60 milhões de dólares, sucesso de venda e crítica. Na região também é fabricado o rosé orgânico Avaline, da atriz Cameron Diaz, em sociedade com a empresária de moda Katherine Power, assim como o Invivo, vinho que tem à frente Sarah Jessica Parker, do seriado Sex and the City. O músico Jon Bon Jovi associou-se ao enólogo Gérard Bertrand para fazer no Languedoc, região vizinha e igualmente deslumbrante, o elogiado Hampton Water, um rosé de 90 pontos na revista Wine Spectator, que já virou até recheio de bala em parceria com a marca americana Sugarfina. Conhecido apreciador de uma boa cerveja, o rapper Post Malone também rendeu-se ao rosé e leva a seu público o Maison No. 9, feito na Provença com uma espada do tarô no rótulo, a mesma que exibe tatuada no rosto. “Rosé é para quando você quer um pouco de fantasia”, costuma dizer.
Testados e aprovados
A opinião do especialista Marcelo Copello sobre cinco rótulos, entre nacionais e importados
Miolo Seleção Rosé (R$ 41,00): uma das melhores relações custo-benefício do mercado, é o primeiro rosado elaborado pela vinícola brasileira, feito com as uvas cabernet sauvignon e tempranillo.
Relax Rosé Suave (R$ 21,00): frisante e com alguma doçura, traz aromas de frutas vermelhas e rosas. Feito na Serra Gaúcha pela Garibaldi, com as uvas merlot, moscato branco e riesling itálico.
Château de Pourcieux Rosé (R$ 130,00): francês premiado da Provença, de preço justo diante da alta qualidade. Trata-se de um blend de várias uvas. É claro na cor, com aromas frutados e cítricos.
La Piu Belle Rosé (R$ 175,00): da Vik, sofisticada vinícola chilena, é fabricado com cabernet sauvignon, cabernet franc e syrah. Tem aroma de frutas vermelhas e damasco e notas florais.
Garzón Estate Pinot Noir de Corte Rosé (R$ 118,00): a vinícola uruguaia é um case de sucesso, eis mais uma amostra. Produzido com a uva pinot noir, possui aromas de frutas frescas, como cereja e morango.