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A atração que Zé Ricardo sonha levar ao Palco Sunset no Rock in Rio

Em conversa com VEJA RIO, o diretor artístico contou sobre sua origem pobre, a evolução no festival e falou da importância da representatividade

Por Kamille Viola
Atualizado em 12 set 2022, 02h16 - Publicado em 11 set 2022, 18h55
Zé Ricardo sentado, sorrindo, de blusa preta
Zé Ricardo: diretor artístico do Palco Sunset - (./Divulgação)
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Nos shows do Palco Sunset no Rock in Rio, os agradecimentos a Zé Ricardo por parte dos artistas são frequentes. Diretor artístico do espaço desde sua criação, em Lisboa, em 2008, ele assumiu a função na edição carioca de 2011 e, de lá para cá, viu o lugar ganhar cada vez mais projeção. 

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Hoje à frente também do Espaço Favela, criado em 2019, e da Arena Uirapuru, novidade desta edição, ele é um dos principais responsáveis por trazer novidades para a programação do festival, seja por escalar revelações da nossa música, seja por promover encontros inéditos, alguns impensáveis — quem imaginaria Andreas Kisser e Luísa Sonza dividindo o palco, por exemplo?

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Ele ainda comanda, depois da última atração do Palco Mundo, uma animada jam session no Palco Sunset, nas quais já recebeu convidados como Criolo, Rael e Fióti, entre outros. Em conversa com VEJA RIO, Zé Ricardo contou sobre sua origem pobre, seu início no Rock in Rio, revelou que sonha ver Marisa Monte no Palco Sunset e falou da importância da representatividade de ser um homem negro em um espaço de tomada de decisões.

Como você entrou no Rock in Rio?

Eu entrei no Rock in Rio a convite da Roberta Medina. Ela me chamou para vir criar um palco de música dentro do festival. Foi um telefonema que mudou minha vida. A Roberta sempre quis tentar fazer com que o Rock in Rio tivesse dois palcos poderosos, mas isso era uma coisa muito distante, porque exigia investimento financeiro e várias coisas. Fui para Portugal conversar, nervoso, ansioso, com o coração cheio de esperança de alguma coisa boa acontecer. Quando cheguei lá, existia esse problema porque o Rock in Rio tinha um segundo palco, onde os artistas portugueses grandes nunca queriam tocar, porque se sentiam desprestigiados. Além disso, nenhum artista grande queria tocar de dia. Aí eu falei para ela: “Por que a gente não faz tocar de dia ser a coisa mais cool? Por que a gente não chama esse palco de Pôr do Sol e faz com que, como em alguns festivais no mundo, tocar de dia seja o lance?” Ela falou: “Não, vamos chamar de Palco Sunset.” Na minha cabeça, tendo o Palco Mundo tão grandioso, teria de chamar a atenção fazendo coisas que naquele palco não acontecem. Por isso a ideia dos encontros. Foi uma grande vitória, um supersucesso. Depois o Roberto me convidou para fazer o Rock in Rio Madri e o Rock in Rio carioca. Comecei em 2011 essa saga que está aí até hoje.

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Sunset começou a trazer novidades, entre artistas novos e encontros inéditos. Como você faz para se atualizar, estar por dentro?

Tenho 51 anos, mas não acredito na minha idade. Por exemplo, os amigos do meu filho me seguem. Mas não só por causa do Rock in Rio: eles acham demais eu ser amigo do Xamã, sair para jantar com ele, trocar ideia com o L7 (o trapper L7nnon). A minha conversa é muito reta. Não é de contratante para… Porque essa aproximação que a música faz é sobre pessoas. E quando você fala de pessoas você não vai falar de faixa etária. Olho a vida de um jeito mais amplo, não como um cara de 51 anos que estudou, que toca violão, que entende de harmonia e aí então a música que não tem harmonia não tem valor… Sabe esse preconceitos? Agora, é óbvio que eu vejo música malfeita e música bem-feita. Gosto de música e eu gosto de pessoas. Tenho interesse pelas coisas.  Acredito que através da música a gente pode transformar, conectar idades, ir além do nosso próprio tempo. Meu filho Tom, de 16 anos, é uma grande fonte. Ele coloca, eu vou pesquisar, entender, ligo e vou almoçar com o artista. O Jão, por exemplo, veio da minha filha, de 10, e uma amiga, que ouviam “Idiota”. Pensei: “Se essa música que chegou nelas que não são ligadas em música, tem um tipo de comunicação que interessa.” Eu estou sempre buscando as coisas que interessam para o palco. O Sunset é muito maior que o meu gosto pessoal. Na hora em que eu achar que não consigo me conectar mais com coisas que estão acontecendo, eu vou fazer outra coisa. 

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Tem um encontro que você ainda não realizou e gostaria, ou algum artista que você quer muito ter no Sunset, ou alguns?

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Muitos. O Gilberto Gil era um deles. Foi o primeiro da minha lista. Quando eu criei o Palco Sunset, o primeiro artista que eu sonhei para estar lá foi o Gilberto Gil. Este ano ele fez um show histórico. Eu sempre quis ter Racionais. Eu sonho muito em ter a Marisa Monte. Não é pela fama. Porque são artistas que eu acho que têm a capacidade de criar shows espetaculares. E no Sunset eu proponho shows espetaculares. O show dos Racionais foi um momento antológico na música. Aquilo ali é um sonho realizado. Eu tenho muitas vontades, mas acho que as coisas acontecem no seu tempo certo. Este ano, o Sunset acaba de vez com esse paradigma de “ah, por que não está no Palco Mundo”. Se você vê o cenário do show do Xamã, do Papatinho, o show da Gloria Groove, o cenário do show da Ludmilla. Você vai vendo que ele é palco principal, sim, de qualquer festival. E é do Rock in Rio, assim como o Mundo, são dois palcos principais. Cada um com um conceito, uma proposta. O que eu acho mais bonito do Rock in Rio, hoje mais claramente, é que o Sunset completa o Palco Mundo e vice-versa, o Favela completa os dois, o New Dance Order, a Rock Street, a Rock District… os palcos completam a festa. Eles fazem com que o grande protagonista seja o Rock in Rio. Ele é um universo.

Teve algum encontro ou show que surpreendeu você, foi melhor do que você pensava?

Sim, vários. Baianasystem com a Titica foi um que me surpreendeu muito. Eu sabia que ia ser bom, mas não que ia ter aquela potência toda. Este ano, o encontro da Luísa Sonza com a Marina Sena foi muito poderoso. Eu sabia que ia ser bacana, mas elas estava muito empoderadas, estavam em casa. A Luísa fez um show que tomou o palco e a Marina entrou e se deu muito bem também. Do ponto de vista do público, o show do Gilberto Gil me surpreendeu muito, porque ele cantar Garota de Ipanema com a Flor e o público vir ao delírio daquele jeito, você mostra a educação do público do Sunset, do público do Rock in Rio. Todo mundo veio junto, foi uma loucura.

Foi um momento muito tocante, ela estava emocionada, e ele foi avô, carinhoso…

Foi lindo. Eu não tenho medo de emocionar, sabe? Porque tem uma máxima que diz que você para ser interessante artisticamente você não pode emocionar. Não sei quem inventou isso, mas eu vou na contramão. Tem uma diferença muito grande entre ser piegas e emocionar. Emocionar é uma coisa fundamental nas nossas vidas. Sem emoção o mundo não se move. O show dos Racionais assisti ao show do lado do Criolo e do Xamã, a gente estava chorando. Pela representatividade, porque tudo estava sendo falado ali, pelo confronto com a realidade, por você ver aqueles caras que criaram tudo… O trap hoje é um rock’n’roll para o meu filho. Como liberdade, como forma de expressão. Se a gente nega isso, a gente vai ficar para trás, eu quero ir para a frente. Conseguir me conectar com o trap, produzir artistas de trap, ser respeitado por artistas de trap com 51 anos é um grande presente para mim. E um objetivo. Então, se eu for falar, este Palco Sunset deste ano eu acho que é o melhor trabalho da minha vida. O Rock in Rio ele é grande não é pelo tamanho, mas pela capacidade que ele tem de emocionar. Essa é a minha humilde opinião. Como essa marca mexe com as pessoas, transforma as pessoas. É muito bonito. 

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Você acha que já teve um algum encontro que deu errado, chegou na hora e não deu liga?

Já, ô…

Não sei se você vai falar nomes…

Eu não vou falar nomes, porque eu não falaria nem na minha casa, com meu filho, meus amigos, mas eu vou falar os porquês. Por exemplo: quando um artista quer aparecer mais do que o outro. Quando não há generosidade, não tem acolhimento no palco do artista que está fazendo show para o que está entrando. Por exemplo, este ano, os artistas do Sunset, como fazem no Palco Mundo, investiram muito em cenografia, coreografias, bailarinos, fogo, luzes. O Sunset tive investimentos altíssimos em shows. Assim como os artistas internacionais que vêm para o Sunset e o Palco Mundo fazem. Eu sempre converso com eles: você pode ter cinquenta bailarinos, pode entrar no palco de paraquedas: o conteúdo é o rei. Você tem que ter tudo isso, mas você não pode se ancorar nisso. Isso tem que ser a cereja do bolo. Se o seu show não tiver um bom roteiro, uma boa narrativa, uma conexão humana com o público, ele não vai ser potente. Milhares de coisas não vão resolver o conteúdo. Talvez por isso eu tenha conseguido também no palco shows tão potentes, porque tem esse norte.

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Este ano, pela primeira vez, o festival está acontecendo no período eleitoral. Teve alguma orientação para os artistas, de não citar candidato?

Nenhuma. Eu acho que os artistas devem se posicionar através da sua arte, eu acho que eles têm que, dentro da música, do roteiro, do seu conteúdo de vídeo, eles podem se posicionar se quiserem. O festival quer que todos venham, então eu acho que a gente tem que deixar o artista ser artista do jeito que ele é, deixar que ele consiga se expressar. O artista se expressa politicamente há muito tempo, ser artista é um ato político. Num país como o Brasil, então…

Você faz também o Espaço Favela. Quando ele surgiu, em 2019, foi alvo de críticas, mas hoje ele está bem aceito, a programação é bastante festejada. Você já disse em outra entrevista que os artistas de trap que estão despontando no Brasil foram meninos pobres como você foi. Você se identifica com essa realidade da favela, teve contato? Onde você cresceu?

Quando eu criei o Espaço Favela, eu chamei o Pablo Ramos e o Guti Fraga para que me trouxessem a vivência de favela. Fui um menino pobre filho de um porteiro e de uma lavadeira, mas eu nunca morei numa favela. Vivi outro tipo de discriminação. Morava nos fundos dos prédios, primeiro em Copacabana, quando eu nasci, depois na Lagoa, em que eu tinha que entrar pela porta dos fundos, não entendia por que eu tinha que ir por um elevador e meus amigos, não. Então eu nunca vivi em favela, mas eu sei o que é não ter. Dou muito valor às coisas que eu tenho. E tenho muita empatia com quem não tem. E hoje a gente vive uma realidade na favela muito dicotômica. Porque você tem artistas que saíram de lá que estão milionários, que ganharam mais dinheiro talvez do que artistas de rock’n’roll em uma década. O Espaço Favela este ano tem uma narrativa totalmente diferente do de 2019. Existe uma miopia muito grande na sociedade sobre o que é favela. As pessoas acham que favela é só o que aparece nos noticiários, é só coisa ruim. E não é. Tem gente cheia de criatividade, tem potência, tem gente produzindo, tem coisas incríveis acontecendo na favela.

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A música é um espaço de ascensão social para artistas negros, mas no mercado os espaços de poder ainda são de homens brancos. Você está em um espaço de tomada de decisão, de poder também, cercado de pessoas brancas. Como se vê nesse lugar?

Eu acho que eu tenho uma missão. Por ser um homem negro de pele clara num ambiente predominantemente branco, a minha existência é uma possibilidade de inspirar outras pessoas. Assim como você ver um juiz negro é uma possibilidade de inspiração. Mas eu acho que a minha construção para quebrar esses paradigmas e para trazer pessoas é através do amor e da arte. Cada um luta de um jeito. Não foi fácil chegar até aqui. Mas eu acho que você quebra as barreiras do racismo estrutural quando você age também com inteligência. A gente nunca estudou na escola a história do racismo. Ninguém falou sobre racismo estrutural. Meu avô era negro retinto. Minha mãe era uma negra de pele mais clara porque minha avó tinha pele clara. Minha mãe já me disse: “Você vai conseguir coisas melhores na vida porque a sua pele é mais clara.” Na época eu não entendi, mas quando eu tive consciência, aquela frase me doeu. E eu acho que hoje o mais importante é você ocupar os lugares. Eu falo na minha palestra: “Você quer contribuir para a causa, você quer ser um antirracista? Maravilha. Então saia do discurso, contrate pessoas pretas, pague elas bem, respeite-as como indivíduos dentro da sociedade. Não olhe para elas como pessoas que não têm capacidade. Eu acho que é muito por aí: ação. A minha existência é um posicionamento político, sabe? Porque a vida é política. 

E hoje tanto o Sunset como o Espaço Favela têm uma representatividade negra importante importante, não só na escalação dos artistas mas também nos estilos musicais que passam por ali. O funk, por exemplo, tão discriminado, estar num festival desses, os artistas se apresentarem num palco grande, com estrutura bacana, isso é muito legal.

É, eu acho que é a gente promovendo a inclusão pela arte sem ser o social. Qual é a diferença do Espaço Favela? Isso é assistencialista, ele não é uma ajuda para o favelado, ele não é paternalista. É um lugar de arte. Talento é a palavra que define o Espaço Favela. Eu estou ali em busca do talento. Acho que isso já mostra muita coisa. Porque o que a favela precisa – ela precisa de várias coisas- mas de verdade é oportunidade para mostrar o seu talento. Não só na arte, mas no empreendedorismo. Existem milhares de problemas: o tráfico, a milícia, mas existe também a arte, o artista, o empreendedor, o cara do botequim, a manicure do salão de beleza, todas essas coisas, que precisam ser faladas. Esse é o recado do Espaço Favela. Porque a representatividade é f… Quando você vê a Fernanda Montenegro concorrendo ao Oscar, você se sente representado. Quando você vê o Ayrton Senna ganhando a Fórmula 1, você se sente representado. Se a gente faz de coisas assim mais, digamos, amplas, imagina a representatividade de um cara da quebrada ver um colega dele, que mora do lado dele, cantando num palco transmitido pelo Multishow? O cara fala: “Eu posso ser isso também.” Eu acho que é sobre isso.

E você ainda faz a Arena Uirapuru.

É o meu terceiro palco. É um projeto belíssimo que foi idealizado pelo Roberto Medina que eu fiz a direção artística, convidei o Charles Möeller e o Claudio Botelho para estarem no projeto. Tenho ficado muito feliz de ver o resultado, é um projeto lindo, que tem uma cachoeira de oito metros de altura, com uma queda d’água incrível, muito parecido com a Disney, se a gente for pensar. É um outro tipo de entretenimento que o Rock in Rio oferece para o público. O que eu acho mais bonito é que, num festival pop, é muito mais difícil você falar de subjetividade, por mais que você queira. E o Uirapuru trata disso. É a história de um pássaro que encanta uma pessoa que é workaholic e essa pessoa de desconecta, faz uma viagem através dos quatro pontos cardeais, com um conceito de que a natureza não está a nosso serviço e nós somos ela. E ele é feito num musical, um espetáculo estilo Disney, que tem vozes em off de Thiago Lacerda, Heloisa Perissé, Bel Kutner, Thalita Rebouças, Malu Rodrigues. Essas vozes vão contando a narrativa desse personagem principal, que se chama Zester, e esse personagem, num espetáculo de 25 minutos, vai nessa jornada de reencontro consigo mesmo. E, subjetivamente, faz uma provocação para que todos nós nos desconectemos um pouco.

E as jam sessions da Heineken? Como tem sido a repercussão?

Elas acontecem desde 2019 com o show Segue o Baile, que sou eu e a minha banda recebendo vários convidados. No último domingo (4), subimos no palco Criolo, Rael, Serjão Loroza, Fióti, Annalu, Simoninha. É uma iniciativa para que não saiam 100 000 pessoas ao mesmo tempo da Cidade do Rock. Então, assim que acaba o show do headliner do Palco Mundo, o Palco Sunset acende e a gente começa a tocar todos os grandes ídolos da música brasileira. Ficam ali umas 50 000 pessoas assistindo, porque é maravilhosa, porque a gente consegue proteger as saídas para o transporte, e, com isso, a gente encanta uma galera que não quer que a festa acabe. É uma grande celebração de amigos, um presente para o público que já está pensando que vai para casa e descobre que a festa não acabou. Então, fica e se diverte. São um xodó aqui do festival.

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