Enquanto boa parte dos cariocas já está em casa ou dormindo, o vaivém por trás dos tapumes da Linha 4 do metrô continua incessante. Às 23 horas, na cozinha industrial montada na área do Jardim de Alah, espécie de QG da empreitada na Zona Sul, começa a ser feito o almoço do dia seguinte. Os cozinheiros e ajudantes se dividem entre a sala de lavagem de legumes, as câmaras frigoríficas, o açougue e a padaria instalados no local. Sete horas mais tarde, a refeição, preparada em gigantescos caldeirões, está pronta para ser armazenada em boxes térmicos e levada para as 22 frentes de trabalho. Ao mesmo tempo, são assados 10 000 pães para o café da manhã. Por mês, o consumo nos canteiros de obras chega a 236 toneladas de alimentos. Essa é só uma amostra de quão complexa é a engrenagem que move a cidade subterrânea escavada entre Ipanema e Barra da Tijuca. Na reta final, as obras do metrô vivem o pico de atividade, com 9 717 operários revezando-se à frente de máquinas e ferramentas 24 horas por dia. Para que os 16 quilômetros da nova linha estejam em plena operação em 1º de julho, um mês antes da Olimpíada, o ritmo é frenético. “Estamos num momento crucial, que junta trechos de obra civil pesada com grandes áreas em acabamento”, diz o governador Luiz Fernando Pezão. “As pessoas não têm ideia da efervescência que existe embaixo da terra”, completa.
O que acontece sob os pés dos cariocas impressiona. Ali, desenrola-se a maior obra de infraestrutura em andamento no país — e na América Latina. Quase todo o trabalho ocorre entre 16 e 22 metros abaixo do nível da rua. A oito meses da data de entrega, boa parte da rede de túneis perfurados do Maciço do Cantagalo, em Ipanema, à Barra ostenta aparência bem próxima da que o público verá na inauguração. Dos 32 quilômetros de trilhos (considerando ida e volta), 18 já estão instalados. Nas futuras estações, o movimento de trabalhadores também fervilha. Das seis paradas da nova linha, as do Jardim Oceânico, de São Conrado e da Praça Nossa Senhora da Paz são as mais avançadas. Nas três, as escadas rolantes estão montadas, os guarda-corpos instalados e o piso de granito e as paredes de pastilhas em fase de finalização. Na Barra, por exemplo, os pontos de iluminação natural no teto, que lembram um céu estrelado, estão à mostra. Embora a Linha 4 do metrô esteja com 83% das perfurações concluídas, o último trecho, com 1,2 quilômetro, é alvo de muita expectativa. Até o fim de dezembro deve ocorrer a junção entre o túnel da Barra e o da Zona Sul. Para isso, a tunnel boring machine, conhecida como tatuzão, equipamento que escava e reveste as paredes de concreto, deve passar pela estação da Antero de Quental nos próximos dias, cruzar o canal da Rua Visconde de Albuquerque por baixo e conectar-se ao restante da linha no Alto Leblon. “É uma obra desafiadora, que exige atenção do início ao último dia”, ressalta o secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osório.
Tirar a Linha 4 do papel não foi tarefa fácil. O primeiro desafio é o próprio solo carioca, com trechos de rocha e outros arenosos e encharcados, junto à orla. Por isso, foi preciso lançar mão de recursos bastante diversos entre si. No eixo do Leblon à Barra, que passa sob o Dois Irmãos, o Maciço da Tijuca e a Pedra da Gávea, optou-se por detonações. Só ali foram usadas 3 865 toneladas de explosivos, o suficiente para sustentar 161 queimas de fogos do réveillon de Copacabana. Na Zona Sul, densamente povoada, a expansão seria inviável sem o tatuzão, equipamento alemão largamente usado em intervenções similares na Europa. O gigante subterrâneo — 120 metros de comprimento — não evitou, porém, momentos de apreensão. Ao chegar à Rua Barão da Torre, em maio de 2014, abriram-se crateras na via e garagens de prédios tiveram paredes rachadas. Após o reforço na fundação dos edifícios e seis meses de atraso, a máquina começou a operar em velocidade recorde, percorrendo até 32 metros por dia. A sua passagem pelo Jardim de Alah, cruzando o canal que liga a Lagoa ao mar, também gerou tensão, mas ocorreu sem maiores sustos. Orçada em 8,79 bilhões de reais, a obra, que foi iniciada em 2010 e beneficiará 300 000 pessoas por dia, tem só um trecho em superfície, a ponte estaiada da Barra, sobre o Canal de Marapendi. “Tenho orgulho de fazer parte de uma obra desse tamanho”, diz o encarregado de solda Antônio Pereira da Silva, 56 anos. Ele, que deu o chute inicial no jogo de reinauguração do Maracanã, onde trabalhou, sonha participar também da festa da Linha 4.
No labirinto subterrâneo escavado entre as zonas Sul e Oeste, o ruído dos equipamentos se funde a inúmeros sotaques. Como uma cidade recheada de oportunidades, a obra atraiu operários de todo o país e até do exterior. Segundo pesquisa dos consórcios responsáveis pela linha, 40% deles vieram de outras regiões e há representantes de 23 dos 26 estados brasileiros. “Já morei no meio do mato e agora estou no céu. Passo o dia no buraco, mas posso andar na praia no fim da tarde”, conta o encarregado de escavação Edson Lopes, 43 anos, um paranaense que trabalhou em cinco hidrelétricas. Hoje, ele mora no alojamento do metrô, no Leblon. A vida oculta pelos tapumes surpreende. Em todos os canteiros, na superfície, foram criadas áreas especiais para o lazer dos funcionários, onde, após as refeições, é possível jogar totó, pingue-pongue e ver TV. Várias delas têm biblioteca. Mas é no subsolo que não faltam curiosidades. A cada entrada de túnel, por exemplo, fica uma imagem de Santa Bárbara, padroeira das escavações. Para que os trabalhadores não percam a noção de sua localização, há placas nas paredes escavadas com o nome das ruas situadas acima. E, como forma de enfrentarem o desconforto lá debaixo, onde a temperatura chega a 38 graus, foram instalados ventiladores gigantes, além de bebedouros e banheiros junto às estações — são 533 sanitários na obra. “É cansativo, mas não reclamo. Vim tentar a sorte e agora participo da história do Rio”, diz o paraibano Marco Polo Barbosa, 44 anos, que antes trabalhou como encarregado de pedreiro na Cidade das Artes e no Maracanã.
Não há dúvida de que a chegada do metrô à Barra é um alento no deficitário transporte de massa da cidade. O que está sendo realizado em seis anos — 16 000 metros de linha subterrânea — é quase igual ao que foi feito em 35 anos. O metrô carioca, inaugurado em 1979, tem 41,9 quilômetros de extensão, dos quais só 17 foram projetados como túnel — os demais trilhos ficam na superfície. O avanço da rede metroviária é ínfimo, se comparado ao de cidades como Xangai. A metrópole chinesa, que até 1993 nem sequer contava com esse meio de transporte, tem hoje o maior sistema de metrô do mundo, com 500 quilômetros de linhas. Nas últimas duas décadas, foram inauguradas no Rio apenas doze estações. A atual expansão só saiu do papel graças a uma conjunção de fatores, dos quais o mais vistoso é a realização dos Jogos Olímpicos na cidade. Desde o início, sabia-se que a logística seria monumental. Só para se ter ideia, foi preciso abrir uma espécie de piscinão subterrâneo junto à General Osório para depositar o entulho das escavações. Diariamente, toda a terra removida é transportada até uma área de descarte em Senador Camará por caminhões que se concentram em locais como a Rua Tonelero, em Copacabana, o que volta e meia gera reclamações de moradores. Eles são parte de uma frota de quase 400 máquinas, entre elas tratores e escavadeiras, que circulam pelos canteiros. Um dos modelos, a pá carregadeira, tem como operadora Fátima da Conceição Silva, 52 anos. “No futuro, vou poder dizer aos meus filhos que ajudei a construir o metrô e que meu trabalho foi muito importante”, orgulha-se a motorista.
A tão sonhada ligação entre Ipanema e a Barra por baixo da terra chega à reta final com quase cinquenta anos de atraso. Um plano metroviário de 1968, assinado por técnicos alemães contratados pelo então Estado da Guanabara, já previa um traçado para a Zona Oeste. No entanto, o primeiro estudo para esse transporte é de 1947, época em que a Light administrava os antigos bondes da cidade. Agora, o governo do estado se debruça sobre um plano diretor para o sistema metroviário com projeções até 2045. Diferentemente de obras anteriores, tanto a nova estação da Gávea, com abertura programada para o fim do próximo ano, quanto a do Jardim Oceânico foram construídas já prevendo expansões. Ou seja, não ficarão fechadas no caso de ampliações, como a da Praça General Osório em 2013. Entre as próximas intervenções, garante o governo estadual, está o aumento da Linha 2, entre Estácio e Praça XV, cujas obras devem iniciar-se em 2016. Também está sendo avaliada a obra da Linha 3, toda em superfície, de Niterói a São Gonçalo. Há ainda estudos para levar o metrô da Barra ao Recreio e Jacarepaguá e para conectar Gávea a Botafogo, pelo Jardim Botânico. Por enquanto, todos os esforços se concentram no cronograma da Linha 4. Após a junção dos túneis dos dois trechos, serão concluídas a instalação dos trilhos e a fase de acabamento. Em março devem começar os testes com trens. A linha passará a receber o público em junho, quando, então, os cariocas poderão ter a incrível experiência de ir de Ipanema à Barra em apenas treze minutos.