Mesmo diante de uma pandemia mundial, Paula Lavigne não sossega. À frente de organizações culturais como o Procure Saber e o 342 Artes, a empresária está movimentando as redes sociais atrás de doações para projetos comunitários nas favelas do Rio, que vêm sofrendo com as drásticas consequências do novo coronavírus. “É preciso buscar alternativas para esses tempos estranhos”, diz a empresária, de 51 anos, que espera ansiosa a chegada do primeiro neto e finalmente convenceu Caetano Veloso, que andava um tanto desanimado no confinamento, a ouvir a voz das redes e fazer sua primeira apresentação on-line, formato que tem se disseminado nesses tempos de distanciamento social. Por telefone, ela concedeu a seguinte entrevista a VEJA RIO.
As lives podem ser um bom caminho para a classe artística lidar com a crise? Pensamos o tempo todo em novos modelos de negócios, e a internet é, sim, um mundo a ser explorado. Mas a estrutura do business nas redes ainda é feita para não ter transparência, o que precisa mudar. A Marília Mendonça e a dupla Jorge & Mateus, que estouraram a audiência, nunca vão saber se o que receberam por uma live foi justo. Quanto faturou Roma, que ganhou Oscar, ou O Irlandês, no streaming? A Netflix jamais vai abrir isso. O cinema diz quanto ganhou em cada formato ó nas salas de exibição, nos DVDs. Já o digital, não: é uma indústria caixa-preta.
Como será a remuneração no caso da live de Caetano? Haverá patrocinador. E teremos também um link para doações, para quem quiser contribuir. Será algo caseiro, muito à vontade. Não é sertanejo, com megaprodução, aquela qualidade toda. Estamos conseguindo equipamentos simples e bons, um microfone de lapela, tudo dentro dos padrões de segurança. Não vai entrar ninguém aqui em casa.
Caetano é entusiasmado com essa nova linguagem? Na verdade, o Caetano não tem interesse em fazer live, ele não tem esse lado exibicionista. Só está fazendo para que a equipe dele receba um dinheiro. Na cadeia produtiva do setor da cultura, tem muita gente sem ganhar nada. A iniciativa é do Procure Saber (grupo de artistas que inclui Roberto Frejat, Chico Buarque e outros, atuante na questão dos direitos autorais). Quem vai ao show não imagina, mas tem uma multidão trabalhando para aquilo acontecer: contador, carregador, fnanceiro, produtor de base, jurídico, editora.
Há luz para a cultura no fim do túnel do coronavírus? Acho que o show vai ser uma das últimas atividades a voltar. A gente trabalha com aglomeração, exatamente o que não pode acontecer agora. Temos de encontrar outros caminhos. Como disse, a internet é um universo com potencial, ainda a ser desbravado.
As plataformas de streaming podem se tornar rentáveis para o artista? É tudo ainda muito novo e com regras a ser estabelecidas e aprimoradas. O Spotify, por exemplo: você vê milhões de execuções lá, mas a remuneração para o artista é muito baixa. Não estou dizendo que é injusto, apenas que não dá para saber ao certo como o valor é calculado. O que era comércio hoje virou serviço, e a forma de avaliar é diferente, não é clara.
Explique melhor. Se você vende caneta, chinelo, celular, você contabiliza cada unidade e pronto. Mas o serviço que fornece música é de uma natureza completamente diferente. Os sertanejos, por exemplo, acumulam números gigantescos. Cabe a eles cobrar, tentar chegar mais perto do que seria justo.
Como empresária de Caetano, o que a exploração desse novo formato acrescenta a um artista como ele? O Caetano não faria a live se não fosse esse um momento tão peculiar, mas é uma boa iniciativa para começar a explorar novos modelos. De alguma maneira, vai ser pago, então está valendo. Outra parte positiva é menos esperada, porém valiosa: estamos testando o serviço de internet para valer, vendo que as telefônicas não entregam o que prometem. É bom a gente aprender a mexer com tecnologia.
Como avalia a atuação das autoridades no combate ao coronavírus? Acho que o Congresso está indo bem como nunca. Já o Bolsonaro é tão fora da sensatez que a gente acaba até achando Crivella e Witzel razoáveis. É tudo uma questão de perspectiva, como naquele áudio que viralizou em que a pessoa comemora assim o fato de o parente não ter coronavírus: “Graças a Deus, é dengue hemorrágica!”.
Tem tido tempo para ver umas lives na sua quarentena estendida? Nada. Fico no WhatsApp 24 horas por dia; o 342 (campanha contra a censura e pelos direitos dos artistas da qual ela participa) acontece por lá. A gente fica se comunicando o tempo todo. No tempo que sobra, vejo uns filmes-cabeça com o Caetano, porque ele não gosta de séries.
Muita ansiedade pela chegada do primeiro neto? Estamos bem tensos. Tom e Jasmine, minha nora, estão tomando todos os cuidados necessários no meio disso tudo. Não vamos poder festejar como seria de praxe, quando ele nascer, agora em maio, mas tudo bem, vou ver de longe. Vai passar