Programa obrigatório de quem já foi criança no Rio de Janeiro, o Jardim Zoológico da Quinta da Boa Vista envelheceu mal. O retrato da decadência foi pintado com ambientes apertados, submetidos aos altos e baixos da administração pública, e grades, muitas grades. Em 2016 o espaço acabou interditado pelo Ibama e, meses depois, passou à iniciativa privada. Mas parece que agora vai.
Após dois anos de obras, alguns percalços e um investimento de 80 milhões de reais, o BioParque do Rio, criado em 1945, tem previsão de abrir as portas finalmente repaginado em 22 de março. Além do nome, são novos as instalações e o conceito: o confinamento em jaulas praticamente sumiu e aquela ideia de uma coleção um tanto aleatória de bichos em exposição deu lugar a um centro de conservação da biodiversidade voltado a programas de educação e pesquisa, em parceria permanente com instituições nacionais e estrangeiras.
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O BioParque carioca renasce nos moldes de pares considerados exemplares mundo afora, como o fantástico zoo de San Diego, na Califórnia, um dos desbravadores da ideia de que os bichos devem seguir a vida menos enjaulados e mais ao ar livre possível, inseridos em seus biomas, devidamente recriados. São notáveis na Quinta da Boa Vista as melhores condições a que os 1 100 animais do presente plantel passaram a ser submetidos. Só para dar um exemplo, estrelas do espaço batizado como Savana Africana — acessível aos visitantes por uma passarela suspensa e um circuito de barquinhos —, os hipopótamos Bocão e Tim viveram anos no antigo RioZoo em ambientes vizinhos.
“Passavam longos momentos o mais perto que podiam um do outro, encostados ao muro que os separava”, conta o veterinário Ramiro Dias Neto, coordenador técnico do BioParque. Na casa remodelada, agora dividem um piscinão que tem como atrativo a vitrine pela qual é possível vê-los debaixo d’água. Com o casal enfim unido, Bocão, a fêmea, começou a tomar anticoncepcionais todos os dias. A reprodução dos animais, controlada, obedece a critérios científicos e é atrelada a programas de preservação.
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Uma das novas alas construídas é dedicada a espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção, como o mutum-do-sudeste, a arara-azul-de-lear e os guarás. Nos dois primeiros casos, os recintos guardam casais de aves que estão, digamos, “se conhecendo melhor”, segundo os peritos do zoo. Mais numerosos, os guarás, de bela penugem vermelha, compõem um projeto de reintrodução da espécie na Baía de Guanabara.
“O nome técnico é pareamento, mas o pessoal brinca dizendo que é o Tinder do mundo animal. Em intercâmbio com outras instituições, e sempre sob a orientação do ICMBio, procuramos pelo planeta companheiros para indivíduos solitários”, explica Manoel Browne, diretor de operações do Grupo Cataratas, que, na cidade, também opera o AquaRio e o sistema de transporte de vans para o Cristo Redentor. Órgão federal, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) é responsável por outro casamento celebrado no BioParque: o do lobo-guará Lobato, trazido de Brasília, com uma fêmea vinda de Ribeirão Preto. “A recomendação é que se reproduzam”, explica o veterinário Ramiro Dias Neto.
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No BioParque do Rio, como se pode ver, o amor está no ar. Dependências estalando de novas contribuem para o clima. Grades foram substituídas por vidros, mirantes, cercas naturais e outros recursos mais apropriados, eliminando aquele velho aspecto de prisão. O visitante do novo zoo vai passear por áreas de nomes autoexplicativos: Vila dos Répteis, Reis da Selva, Ilha dos Primatas, Fazendinha, a já citada Savana Africana e Imersão Tropical. Essa última é um grande viveiro com cerca de cinquenta espécies. “Antes era cada um na sua gaiolinha. Com os animais reunidos, o ambiente é de uma floresta, a gente passeia lá dentro entre papagaios, ararajubas, ouriço-cacheiro, cutia, seriemas”, lista Dias Neto.
Acabam de desembarcar ali duas fêmeas de orangotango do Beto Carrero World, parque em Santa Catarina. E mais animais são ansiosamente aguardados. Seguem em tratativas a importação de quatro girafas da África do Sul (ação um tanto prejudicada pela pandemia) e a chegada de um exemplar macho para fazer companhia a Koala. Prestes a trocar um recinto de 700 metros quadrados por outro de quase 7 500, a velha elefanta, resgatada do Circo de Moscou, vive sozinha desde a morte da companheira Carla, em setembro do ano passado.
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O óbito de Carla causou tristeza, mas não foi exatamente uma surpresa. Alguns dos animais mais conhecidos do antigo Jardim Zoológico estão em idade avançada. A lobo-guará Rubi, que empresta a imagem à nota de 200 reais, já ultrapassou os 15 anos. Outra diva da Casa da Moeda, a onça-pintada Gabi (retratada na nota de 50 reais) passou dos 18 anos, três além da média alcançada por sua espécie na natureza.
Simba, o leão, também de 18, tornou-se o feliz morador de um recinto com projeto do arquiteto Índio da Costa. Seu vizinho, o tigre William, 19, ganhou instalações mais espaçosas e uma grande vitrine no lugar das grades, mas sofre com um problema de ligamento em um dos joelhos. “Vamos ter de operá-lo”, conta o veterinário Dias Neto, integrante de uma equipe que, entre atendimento de saúde, condicionamento e nutrição, envolve cerca de setenta profissionais.
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A lista de pacientes no estaleiro inclui um mandril diabético, um cachorro-do-mato portador de hipotiroidismo e dois macacos cardiopatas. No total, cerca de 100 animais ficarão longe do olhar dos visitantes. “São indivíduos com limitações, que podem ser de saúde, algum distúrbio comportamental ou da idade avançada”, esclarece Dias Neto. Na lista, por já ser um idoso, inclui-se o popular Zé Colmeia, 19 anos, que em 2017 brilhou na capa desta mesma VEJA RIO. O urso-pardo resgatado de um circo do interior do estado apresentava severo quadro de neurose e machucava a cabeça batendo-a repetidamente contra as grades.
Há três anos, foi um dos primeiros animais recuperados pela nova gestão e tornou-se um símbolo do processo de renascimento do jardim zoológico do Rio. De lá para cá, a concessionária enfrentou obstáculos diversos, como a pandemia, que paralisou as obras e adiou por quase um ano a inauguração, e até uma curiosa CPI do Zoo, instaurada na Câmara Municipal. Zé Colmeia agora já pode aproveitar sua merecida aposentadoria: outras atrações aguardam o público no novo BioParque.
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Jardim de histórias
O Brasil dos tempos de dom João VI e do Império, além de um chimpanzé candidato a prefeito, faz parte da trajetória do zoo carioca
Residência da família real portuguesa e dos imperadores do Brasil, a Quinta da Boa Vista tornou-se palco de importantes acontecimentos do país a partir do início do século XIX. Vestígios dessa trajetória resistem no BioParque do Rio, a começar pelo antigo pórtico na entrada do Jardim Zoológico. O restaurado monumento foi presente de um nobre inglês, o duque de Northumberland, para dom Pedro I. Trazido desmontado, de navio, passou a guardar a entrada do paço — o atual Museu Nacional, ainda em recuperação do incêndio que o destruiu em 2018 — e lá ficou até a proclamação da República. Desde 1910 ocupa o lugar atual.
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Durante as obras, escavações revelaram sítios arqueológicos dos quais foram resgatados mais de 50 000 itens. “São tinteiros, medalhas, moedas com as efígies de dom Pedro I, dom Pedro II e dom João, contas de colares africanos, cachimbos”, lista Talita Uzeda, supervisora ambiental do Grupo Cataratas, responsável pelo BioParque. “A maior fatia desse acervo será doada ao Museu Nacional, mas uma parte ficará conosco, em uma exposição que conta a história do zoológico.”
Na vida do zoo propriamente dito um grande personagem sobressai, com direito até a estátua no parque. O macaco Tião (1963-1996), chimpanzé indomável que costumava jogar restos de comida e outros dejetos no público, ganhou campanha para prefeito do Rio em 1988. A candidatura, lançada pelos humoristas do grupo Casseta & Planeta, levou o macacão a conquistar 400 000 votos — que, validados, dariam ao símio de maus bofes o terceiro lugar na disputa.