Ao fim dos Jogos, o Rio ainda tem grandes obras e desafios pela frente
Em meio à festa olímpica, cariocas e turistas aproveitaram as delícias de uma cidade renovada e plenamente funcional. Agora, a tarefa é ampliar todas essas conquistas
Já era sábado, 6 de agosto, quando Jorge Alberto Gomes, 14 anos, morador de Bento Ribeiro e praticante de atletismo em um projeto esportivo na Mangueira, subiu em uma grua nos arredores da Igreja da Candelária com a tocha olímpica na mão. Minutos antes, o maratonista Vanderlei Cordeiro havia entrado para a história ao acender a pira olímpica oficial da Rio 2016 na espetacular festa de abertura, no Maracanã. Jorge ficou com a missão de repetir o gesto diante da segunda pira, instalada na área recém-reformada da cidade. Elevado a 7 metros de altura, o jovem cumpriu com desvelo profissional sua missão. Nos dezessete dias em que a capital viveu um frenesi único em sua existência, foi na região central que tal fenômeno alcançou o paroxismo. Ao todo, 4 milhões de pessoas circularam por aquele trecho reurbanizado e tinindo de novo, que fervilhava de atrações, como se fosse uma monumental quermesse globalizada. “Eu já conhecia o Rio, mas estou surpresa com quanto ele mudou”, disse a pernambucana Doriana Vanderlei, 46 anos, que veio de Recife com a família e acompanhou a festa de abertura nos telões montados ao lado da segunda pira.
O trecho batizado como Boulevard Olímpico e seus arredores tornaram-se o símbolo dos benefícios gerados pelos Jogos. O sucesso foi tamanho que, encerrada a Rio 2016, a prefeitura anunciou que a festa se prolongará durante a Paralimpíada e que o local ganhará uma estrutura de lazer e entretenimento permanente, com quiosques, restaurantes e espaços para eventos nos próximos meses. Os cariocas e turistas gostaram muito do que viram e viveram nos últimos dias. Mas também esperam que a cidade continue a avançar, principalmente em setores em que as transformações foram mais evidentes, como o transporte público, em um período marcado por incertezas econômicas. “A Olimpíada foi uma grande oportunidade de melhorar o Rio, mas não posso dizer que conseguimos resolver todos os seus problemas ou torná-lo perfeito”, reconhece o prefeito Eduardo Paes.
Como acontece em toda metrópole que sedia um evento do porte de uma Olimpíada, é natural que haja uma espécie de ressaca com o fim dos Jogos. Nos últimos sete anos, o Rio foi tomado por obras que transformaram suas feições. Além das reformas no Centro, foram realizadas intervenções na mobilidade urbana. A Linha 4 do metrô, o BRT na Barra da Tijuca, a Transolímpica (entre Deodoro e o Recreio dos Bandeirantes) e a Transcarioca (que liga o Galeão à Barra) são um legado efetivo. No entanto, o que foi visto em pleno funcionamento durante os Jogos é apenas parte do que estava planejado. Um bom exemplo é o próprio BRT. Até o momento foram construídos 122 quilômetros de vias, 122 estações e onze terminais ao custo de 4,3 bilhões de reais. É um avanço enorme. Entretanto, foi deixado por concluir o traçado mais complexo de todo o serviço, que liga Deodoro ao Centro, com conexões com as outras linhas (Transolímpica e Transcarioca). Trata-se do corredor Transbrasil, que segue pela Avenida Brasil. Em julho, foram interrompidas as obras que, por quase dois anos, tumultuaram a vida dos motoristas. A expectativa é que sejam retomadas em setembro, mas a data de conclusão do projeto é vaga – está prevista para algum momento do próximo ano. O projeto inclui um corredor de 32 quilômetros, aberto ao custo de 1,4 bilhão de reais.
Embora não o tenha incluído no projeto olímpico, Paes chegou a anunciar, em 2011, que o corredor estaria em operação para os Jogos. O traçado original foi reduzido e já não contempla a chegada ao Aeroporto Santos Dumont. Ainda assim, é uma obra complexa, com estruturas como viadutos — um deles, no Caju, levará à interdição de acessos à Ponte Rio-Niterói —, grandes terminais rodoviários e dezenas de estações de embarque e desembarque. Quando estiver pronta, espera-se que 63% dos 6,5 milhões de habitantes do Rio sejam beneficiados pelo sistema de BRT. “A implantação do BRT, apesar de não ser a solução ideal para uma cidade que já tem uma rede ferroviária como a do Rio, representou uma melhora significativa para uma grande parcela da população”, afirma Paulo Cezar Ribeiro, coordenador do programa de engenharia de transporte do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Coppe. “Mas é inegável também que aqui há uma tradição segundo a qual os políticos não terminam as obras do antecessor. Nesse caso, tal cenário seria o pior possível.”
O metrô em direção à Barra da Tijuca, que tantos elogios recebeu de cariocas e visitantes durante a Olimpíada, é um projeto que remonta ao fim dos anos 1960. Mas o benefício só será sentido pelos moradores do Rio depois da Paralimpíada, quando a linha deve começar a funcionar em horário limitado. O sistema, que deve beneficiar 300 000 pessoas por dia, porém, ainda não foi finalizado. A construção da estação da Gávea, que começou a ser escavada em 2010, foi interrompida por uma conjunção de fatores, desde a falta de recursos até mudanças no projeto, que passou a prever uma futura ampliação. Com 42% das escavações concluídas e faltando perfurar 1,2 quilômetro para se conectar à Linha 4, a Secretaria Estadual de Transportes calcula que ainda serão necessários 489 milhões de reais para encerrar a obra. Ao todo, a conexão entre Ipanema e a Barra consumiu 9,7 bilhões de reais, valor questionado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). “Já começamos um novo detalhamento do sistema e a expectativa é retomar as escavações em 6 meses, mas ainda faltam os recursos”, explica o secretário Rodrigo Vieira.
De todos os compromissos assumidos durante a fase de candidatura, a despoluição da Baía de Guanabara acabou se tornando o principal fracasso do projeto olímpico carioca. As chuvas que caíram sobre a cidade durante a cerimônia de encerramento dos Jogos, por exemplo, foram suficientes para que uma quantidade colossal de detritos fosse lançada no cenário que, poucos dias antes, havia recebido as competições de vela. A maioria dos atletas que tanto reclamaram antes do evento — e foram bem mais comedidos durante as competições, dadas as condições relativamente favoráveis da água — já estava a caminho de casa quando a lixarada apareceu boiando. Azar dos fluminenses, que terão de conviver com o cartão-postal emporcalhado por tempo indeterminado. Assim que assumiu o cargo, em 2015, o secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, admitiu que cumprir tal trabalho hercúleo seria impossível no prazo anunciado, pois ele consumiria, no mínimo, 25 anos.
Alguns passos — ainda que discretos — foram dados. Em abril, foi inaugurada a galeria de cintura da Marina da Glória, que nada mais é do que um sistema que bombeia os dejetos provenientes da região central da cidade até o emissário submarino de Ipanema, o que impediu que o esgoto in natura daquele trecho fosse despejado justamente no ponto de partida das provas olímpicas. Com os cofres vazios, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) ainda busca viabilizar o saneamento básico de dez das dezesseis cidades no entorno da baía através de uma parceria público-privada (PPP). “Em uma metrópole cosmopolita como o Rio, as obras precisam acontecer continuamente, de forma a fazer parte do processo de transformação urbana. Cabe às diversas esferas de governo buscar maneiras de isso acontecer”, diz Istvan Kasznar, economista e professor da Escola de Administração Pública e de Empresas da FGV.
Paisagem icônica dos Jogos, exibida à exaustão por emissoras de TV do mundo inteiro, o Parque Olímpico da Barra da Tijuca passará por uma mudança drástica a partir do ano que vem. Metade do terreno será entregue à iniciativa privada para a construção de torres comerciais e residenciais. Nesse trecho não há prazo para as obras começarem, uma vez que elas estão sujeitas ao mercado imobiliário, setor atingido em cheio pela crise. Na área restante, onde ficam as grandes arenas, a prefeitura já tem planejada uma série de ações, previstas para 2017, para que as instalações não se tornem elefantes brancos, mas o futuro ainda é incerto. Já se sabe que duas estruturas — o Estádio Aquático e a Arena do Futuro — serão desmontadas e remontadas em outros bairros, convertidas em escolas e centros esportivos. As demais serão transformadas em um complexo de treinamento de alto rendimento pela iniciativa privada, que, em troca do investimento, terá o direito de explorar comercialmente os espaços.
Embora os números ainda não tenham sido definidos e a licitação deva ocorrer em meados de setembro, a Secretaria Especial de Concessões e Parcerias Público-Privadas estima que o vencedor desembolse nos primeiros dezoito meses de contrato cerca de 100 milhões de reais e aproximadamente 15 milhões anuais a título de manutenção, durante o prazo de 25 anos previsto para a concessão. “Já temos dois grupos interessados”, diz o secretário Jorge Arraes. “O sucesso da Olimpíada ajudou, tanto que um grupo estrangeiro acaba de nos procurar para conversar”, completa.
O êxito dessa negociação é crucial para que o legado olímpico deixe o campo das ideias e se torne realidade. Não é tarefa fácil. Em Atenas, sede dos Jogos em 2004, o complexo olímpico converteu-se em uma imensa ruína abandonada. Em Londres, antecessora do Rio na organização do evento e um exemplo bastante respeitado, uma das estruturas decorativas do Parque Olímpico, chamada Orbit, virou um escorrega gigante em uma tentativa de transformá-la em fonte de receita. Em Pequim, o maravilhoso Cubo d’Água, o estádio de natação que assombrou o mundo em 2008, nunca vingou como parque aquático. Como atestam nossas antecessoras, é uma missão complexa fazer com que os Jogos Olímpicos resultem em ganhos concretos, que avancem além de boas lembranças. A partir de agora, a realização dessa tarefa cabe a nós, cariocas, cobrar de nossos governantes.