Trocar o certo por algo radicalmente novo é uma decisão difícil. Envolve coragem, riscos e, muitas vezes, as coisas não saem como esperado. A jornalista Fátima Bernardes, 51 anos, passou por essa experiência. Por um quarto de século construiu uma sólida carreira na TV Globo. Participou de quatro Copas do Mundo e de duas Olimpíadas e entrevistou presidentes. Foi, ao lado do marido, William Bonner, âncora do noticiário mais importante do país. Parecia perfeito, até o dia em que anunciou que largaria tudo para aventurar-se em um programa de entretenimento. Assim que a nova atração estreou, em junho de 2012, Fátima conheceu, em apenas uma semana, o céu e o inferno. No primeiro dia alcançou a liderança no horário, com 10 pontos no Ibope. Em seguida, viu o público minguar à metade e passou a apanhar até dos desenhos animados de Tom & Jerry e do Pernalonga, do arquirrival SBT. Gostando dela ou não, ninguém perdia a oportunidade de apontar defeitos no projeto. “Seria mentira dizer que não fiquei preocupada, que estava acostumada a críticas”, lembra. “Mas sou tinhosa e acreditava no programa.”
Às vésperas de completar dois anos no ar, o matutino Encontro com Fátima Bernardes sobreviveu à turbulência. Exibido de segunda a sexta durante oitenta minutos, tornou-se líder absoluto de audiência no horário, suplantando os rivais. Fã de programas como The View, da jornalista americana Barbara Walters, e do talk show de Oprah Winfrey, Fátima continua a apostar em uma proposta calcada em bate-papos entre famosos e anônimos. No entanto, as pancadas no ibope induziram a reformulações no formato original. Foram abolidas, por exemplo, as grandes reportagens, trocadas por apresentações musicais diárias. O cenário mudou cinco vezes, e nesta semana há uma novidade: um caminhão-palco em que o programa será realizado em várias cidades do país. A estreia será no dia 28, na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Fátima declara que não acompanha diariamente os números do Ibope. “Viraria uma paranoia. Minha autocrítica já é muito dura”, justifica. O esforço de manter o Encontro na curva ascendente, porém, é claro. Tanto que, no ano passado, ele saiu do núcleo do diretor Maurício Farias para a égide de Boninho, conhecido pela pecha popular que imprime a atrações como Mais Você e Big Brother Brasil. “Coloquei a cereja num bolo que precisava ganhar leveza e abordar temas mais factuais”, afirma o atual diretor.
Com ou sem cereja, a mexida no Encontro foi grande. Tudo para satisfazer o apetite de um novo tipo de telespectador. Com a concorrência da TV a cabo, da internet, dos games, dos tablets e até dos celulares, o perfil do público que assiste às emissoras abertas se transformou. No auge do sucesso do Xou da Xuxa, nos anos 80, a atração alcançava 30 pontos no Ibope ? o triplo do líder de agora. Mas tanto as crianças quanto as mães ficavam em frente ao televisor observando os pulinhos, as minissaias e as gafes da apresentadora loira. Hoje, a audiência é formada basicamente por donas de casa das classes C e D. Baseado em debates edificantes, mas incapaz de seduzir essa turma, o programa teve seu formato alterado. A equipe de Fátima passou a adotar uma fórmula eclética, mesclando a boa imagem da jornalista a uma temática popularesca ? que vai da música descerebrada e apelativa do Lepo Lepo ao beijinho no ombro de Valesca Popozuda. Os índices de audiência subiram e se estabilizaram entre 7 e 9 pontos. Evidentemente, não é possível agradar a todos. “Não vejo muito o Encontro, mas percebo que a Fátima está à vontade. O problema é que várias atrações musicais e entrevistados estão aquém do seu potencial”, opina José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pai de Boninho e um dos mais influentes mandachuvas que a TV brasileira já teve.
Existem características na personalidade de Fátima perceptíveis já em um primeiro contato. É espontânea, simpática e atenciosa, igualzinha à figura que o espectador vê no vídeo. Mas há uma faceta que só os mais íntimos conhecem, em que o perfeccionismo beira a obsessão. Fátima poderia facilmente ser tachada daquilo que nos bancos escolares se chamava de caxias ? ou CDF. Dedicada ao extremo, tem mania de planejamento. Em um caderno do qual não se separa, anota tarefas pessoais e observações sobre temas que vão do autismo às polêmicas das novelas. Chega pontualmente às 6h50 ao estúdio, e ali tudo é cronometrado: o tempo da maquiagem, da escolha do figurino, da leitura dos sites e até do cafezinho com torrada integral. Não usa teleprompter e fala ao vivo de improviso. Sai da emissora às 16 horas, após uma reunião com parte das 100 pessoas de sua equipe. E, em casa, ainda estuda. “Sou aquele tipo de pessoa que quer ter o domínio de tudo. Só não perco o sono porque o profissionalismo fala mais alto e não posso ter olheiras”, diz, pragmática. Questionado sobre se Fátima é tão metódica em família quanto no trabalho, Bonner, seu marido há 24 anos, respondeu ironicamente por e-mail: “Hahahahahahahaha…! Ela é Virgem com ascendente em Virgem”. Só para lembrar, para quem acredita nessas coisas, esse é o signo dos perfeccionistas.
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São raros os exemplos de jornalistas que migram de forma bem-sucedida do noticiário para a área de entretenimento (Pedro Bial talvez seja o mais conhecido). Além da desenvoltura em falar, essa transição exige aquela característica impossível de ser mensurada ou treinada: o carisma. Ao longo da carreira, Fátima sempre chamou atenção em um ambiente particularmente anódino. Ao tosar o cabelo em estilo joãozinho, em 1989, seu visual ganhou uma página na seção de variedades do jornal O Globo. Quando fez a famosa chapinha japonesa provocou comoção nacional. Também causou impacto ao sapatear numa vinheta de fim de ano da emissora. Tudo o que usa, do esmalte ao sapato, bate recorde de consultas no serviço de atendimento ao espectador. Sempre associada a atributos positivos, como simpatia, estabilidade e elegância, era natural que se tornasse a garota-propaganda dos sonhos dos publicitários. Como não podia fazer anúncios como jornalista, tornou-se uma figura mais desejável. Agora que está liberada da restrição, já recebeu mais de trinta convites para estrelar campanhas e fazer merchandising. Ao contrário de atrações como Mais Você e Domingão do Faustão, coalhados de ações de marketing, Fátima esperou o projeto engrenar para debutar na área. Em setembro do ano passado, a Globo fechou um contrato com o Itaú para que ela dê dicas financeiras no ar. Calcula-se que as inserções custem 8 milhões de reais e Fátima embolse 20% do valor ? estima-se que só seu salário ultrapasse meio milhão de reais. Em janeiro, estreou como garota-propaganda da Seara, ganhando cerca de 4 milhões de reais. Discretíssima, Fátima prefere não falar sobre dinheiro e diz que todos os valores são superestimados. “Ela é tudo o que a publicidade quer. Agrega credibilidade e uma reputação irretocável”, observa Washington Olivetto, sócio da WMcCann e responsável pela campanha do frigorífico.
Zelosa de sua vida pessoal, tenta manter-se longe do bochicho que envolve celebridades. Nem sempre dá. Ao anunciar que deixaria o Jornal Nacional, pipocaram boatos de que estava se separando de Bonner. Para evitar possíveis comentários, tem uma aliança reserva no camarim para o caso de esquecer o anel em casa. Na ocasião, também circularam notícias de que havia saído da bancada porque estava entrando no rol das cinquentonas e perdera o viço desejável para o telejornal. Fátima refuta a especulação alegando que seu programa já estreou em alta definição, o que deixa todas as imperfeições à mostra, bem antes de a tecnologia chegar ao jornalismo. Vaidosa, mas sem exageros, emagreceu 6 quilos para estrear a atração, aplica Botox no rosto a cada oito meses e não descarta a ideia de fazer uma plástica. “No dia em que me olhar no espelho e achar que não dá mais, farei.” Desde que mudou de função, fica mais tempo com os trigêmeos Beatriz, Laura e Vinícius, de 16 anos. Consegue tomar café e jantar com eles e até ver novela, um luxo em outros tempos. Moradora da Barra, passa vários fins de semana na serra, onde tem casa. Nas férias, a família costuma viajar para o exterior ? embora ela considere um tormento entrar em um avião. “Acho que vou conviver com a fobia para sempre. É ali que a minha ansiedade se manifesta.” Nessas ocasiões não dispensa uma dose de Rivotril.
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Quem vê a naturalidade com que Fátima conduz entrevistas logo crê que ela é uma jornalista nata. Filha de uma dona de casa e de um sargento da Aeronáutica e criada em um apartamento de dois quartos no Méier, ela sonhava ser bailarina. Ainda jovem, participou de videoclipes e foi convidada para o antigo corpo de baile da TV Globo. Viu que não teria muito destaque e decidiu apostar na nova carreira. Trabalhou no jornal O Globo e, quatro anos depois, passou em um teste para a emissora. Começou como repórter e, por causa de sua empatia e fotogenia ímpares, teve ascensão-relâmpago. Em menos de um ano, tornou-se apresentadora do antigo RJTV 3. Depois veio o Jornal da Globo, o Jornal Hoje e o Fantástico, até chegar ao posto mais cobiçado do jornalismo brasileiro. A partir de 2007, porém, começou a sinalizar à direção da TV que aspirava a novos horizontes. “Chegou a um ponto em que pensei: ou arrisco agora ou nunca mais. Poderia ainda ficar anos num posto consagrado”, diz. “Tenho mais medo da acomodação do que do desafio.” Para Fátima, há um prazer todo especial no “bom-dia” que dá hoje em seu próprio programa, depois de ter passado quase uma década e meia dando “boa-noite”.