A estreia olímpica do surfe, neste ano em Tóquio, reforçou a onda brasileira na modalidade, com o ouro de Ítalo Ferreira. Depois vieram tricampeonato Mundial de Gabriel Medina e, recentemente, a vitória de Lucas Chumbo no Mundial de ondas gigantes, em Nazaré, Portugal. A projeção e o prestígio impulsionados por esses e outros feitos de brasileiros e brasileiras sobre as ondas – proeminência chamada de brasilian storm – afoga de vez preconceitos e desperta um interesse crescente pelo esporte outrora marginalizado. A maré alta do surfe se reflete nas praias cariocas e nos negócios em torno das manobras aquáticas.
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Façanhas como a de Ítalo, primeiro campeão olímpico desse esporte, aumentam ainda mais a popularidade do surfe no Rio. Escolinhas têm recebido uma quantidade crescente de alunos e alunas, com um avanço estimado de 30% depois dos Jogos, enquanto o mercado explora o surfe como estilo de vida.
De prática marginalizada nos anos 1960 e 1970 a orgulho brasileiro, o surfe se tornou uma febre carioca. O surfista Sérgio Coutinho vivenciou essa transformação. Para ela, a popularização decorre de dois processos em especial: a profissionalização da modalidade e a formação de ídolos nacionais no surfe masculino e feminino. Estímulos ao volume cada vez maior de crianças interessadas a domar as ondas.
“Nos anos 60 e 70, surfava-se por amor. Nos anos 80, tudo começou, com mais campeonatos profissionais e mais patrocínio. Isso se ampliou na década de 90, com o Circuito Mundial bombando. Agora temos uma nova guinada, com os sucessivos títulos brasileiros, principalmente o ouro olímpico de Ítalo Ferreira”, observa Coutinho. Ele completa:
“Quem começa hoje, já começa com os ídolos na cabeça, pensando em títulos. Na minha época, tínhamos ídolos, ou mitos, não porque ganhavam campeonatos, mas porque surfavam muito. O nosso sonho era apenas surfar nos melhores picos do planeta”.
Diante da ascensão brasileira nos últimos anos, com o crescimento também do surfe feminino, o sonho de títulos e medalhas embala a quantidade crescente de iniciantes. Dono da Escola de Surf Cyclone, na Barra, Michel Lahud constata um ingresso maior de calouros nas ondas depois da conquista olímpica, em julho:
“O surfe nas olimpíadas mudou o cenário nas escolas de surfe. Aqui tivemos um crescimento de 30% na procura por aulas. Acredito que isso ocorra por conta dos brasileiros que estão despontando no surf mundial”.
Além de novos praticantes, o sucesso do Brasil em Mundiais e na Olimpíada reacendeu um amor que andava adormecido em cariocas como estudante Lucas Silva, de 19 anos. Morador de Ipanema, ele voltou a surfar estimulado pela medalha de Ítalo:
“Eu costumava surfar todo fim de semana com meu pai, no Arpoador. Mas, com o Enem e início na faculdade, o esporte ficou em segundo plano. Era difícil ir para a praia com tanta coisa para fazer e tanta pressão nos estudos. Aquela emoção de ver o Brasil no topo do surfe olímpico me trouxe essa paixão de volta, e tornei a surfar”, conta Lucas. “Lembro até hoje da narração épica do final da bateria e do Ítalo saindo carregado da água. Hoje em dia, acordo mais cedo nos fins de semana para garantir um tempo me divertindo com meu nas ondas”, relata.
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O surfe feminino também ganhou força após os Jogos. A chegada de Tatiana Weston-Webb às oitavas de final da competição olímpica reforçou o estímulo à adesão e à valorização da prática por mulheres.
O cenário é observado nas praias do Rio, com um número maior de garotas sobre as pranchas. Na escolinha de surfe Jerônimo Telles, por exemplo, o número de meninas supera o de meninos.
“Isso representa uma libertação. Essa geração está muito mais empoderada. Antigamente determinava-se que o bodyboard era para o público feminino e o surfe, para o masculino. Agora não. Tudo é para todos. Liberdade de escolhas e máximo respeito”, comemora Telles.
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Ele reconhece, contudo, que o amadurecimento social, profissional e esportivo do surfe ainda não erradicou totalmente discriminações crônicas. Mas pondera que os preconceitos recuaram e “não se proliferam, porque o astral é irado: afasta as energias ruins”.
* Felipe Azevedo, Gabriel da Cruz e Rodrigo Lemgruber, estudantes de jornalismo da PUC-Rio, sob supervisão de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.