A cena se tornou recorrente a cada semana, entre terça e domingo. Às 17 horas, garçons, barmen e até os proprietários de bares da Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, saem de seu estabelecimento munidos de baldes, vassouras, desinfetante e quentinhas. Eles caminham até a calçada sob o Viaduto Pedro Álvares Cabral para encontrar um grupo de moradores de rua à espera da refeição que trazem. É um acordo: os pedintes deixam o local, para que, depois de limpo, ele possa receber mesas e cadeiras disputadas pelos frequentadores do trecho apelidado como Baixo Botafogo. Em questão de horas, o lugar se torna um enorme alvoroço. Numa total ausência de ordem pública, é possível ver garçons atravessando a movimentada via do bairro equilibrando bandejas repletas de garrafas de cerveja e porções de frango à passarinho. As entradas dos prédios residenciais são tomadas por uma barricada de mesas e cadeiras e o barulho ultrapassa em muitos decibéis os limites da lei do silêncio. “É um inferno. Tento argumentar com as pessoas que ocupam mesas na frente do prédio, mas acabo sendo destratado”, conta o aposentado Francisco Souza, de 72 anos, síndico de um dos edifícios. “Já fui à Justiça contra um dos bares e chegamos a fazer um acordo. Mas, como não foi cumprido, vou processar de novo”, diz.
A alguns quilômetros dali, no mítico território do Baixo Gávea, o histórico de problemas, que era comum fazia alguns anos e havia sido resolvido com uma trégua entre bares, boêmios e moradores, voltou a se repetir nos últimos meses. Nas manhãs de sexta-feira, os arredores da Praça Santos Dumont tornam-se um cenário digno de uma Quarta-Feira de Cinzas. Garrafas de vidro quebradas, latas de cerveja e mau cheiro fazem parte do cotidiano de quem passa por ali — a quinta é o dia favorito para o agito na região. “Venho aqui toda semana e posso dizer que o que já é ruim às quintas piora em dias de jogo. Na final do Campeonato Carioca, no mês passado, tinha até gente pulando em cima das marquises”, relata o estudante João Alberto Siqueira, de 22 anos. Desde o início de maio, a Guarda Municipal vem tentando coibir os excessos, mas a intervenção é limitada. “Após muitas reclamações com a prefeitura, fomos atendidos. Enquanto os agentes estão lá, é uma maravilha, mas a ação é limitada até as 2 da manhã, e é só eles saírem que a bagunça continua”, conta Rene Hasenclever, presidente da Associação dos Moradores e Amigos da Gávea (Amagávea).
Mediadoras na relação com o poder público, as associações de moradores de bairro recebem dezenas de reclamações, mas enfrentam dificuldade de conseguir resultados práticos. “Apesar de a relação com a prefeitura ser boa, há uma demora muito grande para que a queixa se torne uma ação de fato. Enquanto isso, prevalece o caos”, critica Regina Chiaradia, presidente da Associação de Moradores e Amigos de Botafogo (Amab). Como alternativa à falta de fiscalização, a própria sociedade civil se organiza. Um grupo de empresários dos bares da Voluntários da Pátria está propondo a criação de uma ação conjunta entre os moradores e os comerciantes. “Buscamos o diálogo para minimizar os problemas. A intenção é transformar a região em polo gastronômico”, explica Tiago Samora, do bar Parada Mix.
Uma das bandeiras da gestão de Eduardo Paes à frente da prefeitura, a Operação Choque de Ordem foi implantada em 2009 com o objetivo de pôr fim à confusão urbana e combater os pequenos delitos na cidade. Com a troca de governo, houve uma mudança de posicionamento em relação à questão. “Não vamos reprimir os ambulantes em meio a uma crise econômica como a atual. As pessoas precisam viver de alguma coisa”, justifica Jose Ricardo Soares, diretor de operações da Guarda Municipal. O setor de inteligência da Secretaria Municipal de Ordem Pública argumenta que realiza levantamentos dos problemas de cada região para planejar operações. “O estudo do Baixo Botafogo está em fase de conclusão e o da Gávea já começou, mas demanda algum tempo para ser posto em prática”, explica o secretário de Ordem Pública, Paulo César Amêndola. Ao carioca, portanto, resta esperar.