Debruçada sobre o azul intenso do mar de Ipanema, uma cobertura na Avenida Vieira Souto se encontra no epicentro de um imbróglio judicial que, por pouco, não foi parar nas páginas policiais. O motivo: a construção de duas pequenas piscinas interligadas. A obra vem sendo tocada no topo do Edifício Itacurussá, na altura do Posto 10, no apartamento do empresário Arlindo Galdeano Filho.
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O imóvel de 900 metros quadrados, estimado em 50 milhões de reais, vem passando por mais reformas — mas é a dupla de piscinas que incomoda. Segundo vizinhos, Arlindinho, como costuma ser chamado, não apresentou um estudo técnico antes de iniciar o quebra-quebra na construção cinquentenária colada ao Country Club. Lar de sobrenomes da alta sociedade carioca, o Itacurussá é um dos prédios mais antigos da orla ipanemense — e o medo de que a novidade aquática abale suas estruturas levou moradores a procurar a Justiça.
Sob a condição de anonimato, um dos residentes do prédio contou a VEJA RIO: “Está todo mundo apavorado, pode acontecer um desabamento ou alguma outra desgraça. Não sabemos se as normas de segurança estão sendo cumpridas”. O temor é justificável, garante a vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio, Noêmia Barradas. “Qualquer modificação numa construção já existente precisa de um respaldo técnico, ainda mais sendo uma edificação madura como essa”, avalia.
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Por trás da fachada de pastilhas brancas e verdes, marca registrada do Itacurussá, o bafafá em torno das polêmicas piscinas ganhou força depois que a polícia bateu à porta do condomínio, em 7 de maio — três dias após as obras serem embargadas pela juíza da 22ª Vara Cível do Rio. A decisão, em caráter de liminar, estaria sendo ignorada. Vizinhos relatam que a construção das piscinas segue a todo vapor, só que disfarçadamente.
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Segundo moradores, quem chamou a polícia foi a própria família Galdeano, que atuou no ramo de exportação de alimentos. Mulher de Arlindinho, Roberta Navarro teria recorrido às autoridades para que os operários fossem autorizados a subir de elevador com material de construção — ela alegou estar fazendo melhorias no banheiro, apesar de os objetos em questão serem, de acordo com quem testemunhou a cena, “canos e tubulações enormes com mais de 10 metros”.
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O síndico então apresentou aos policiais a comprovação de que a Justiça havia paralisado a obra da piscina — e foi além: exibiu a prova de que um puxadinho fora construído irregularmente na bela cobertura. Naturalmente, o clima anda tenso no prédio, mas somente lá dentro. Fora dele, os vizinhos mantêm discrição e evitam tocar no assunto. Procurado por VEJA RIO, Arlindinho não respondeu.
Entre as ruas Aníbal de Mendonça e Henrique Dumont, o Itacurussá está situado em uma das vias litorâneas com o metro quadrado mais caro do Rio (veja o quadro) e tem entre seus moradores o ex-todo-poderoso da TV Globo Carlos Henrique Schroeder, o fundador do Partido Novo João Amoêdo, o ex-árbitro de futebol Arnaldo Cezar Coelho e representantes de sobrenomes tradicionais, como Magalhães Lins e Gouvêa Vieira. Um dos raros edifícios da Vieira Souto ainda sem grades nem portões — atualmente há uma cerquinha móvel de madeira verde combinando com as pastilhas da fachada —, o prédio começou a ser erguido em 1966.
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Foi inaugurado quatro anos depois, quando um decreto do governador Negrão de Lima liberou o gabarito dos edifícios e permitiu uma verticalização descontrolada da cidade. Evidentemente que o fator pandemia fez agora os ânimos ficarem mais acirrados, já que os condôminos passam mais tempo em casa e acabam sensíveis ao que acontece em seu território. A alta tensão entre vizinhos, aliás, não é exclusividade do Itacurussá.
Desde março de 2020, houve um aumento de 50% nos conflitos entre moradores de edifícios na cidade, segundo levantamento da Estasa, que administra 35 000 apartamentos em 6 000 condomínios no Rio. “Vivemos várias fases desde o início da pandemia, com obras tocadas no momento em que o home office se estabelecia, discussões sobre a liberação das áreas comuns e o grande aumento do delivery”, enumera Luiz Barreto, presidente da Estasa. “Tudo isso exigiu um grande esforço de adaptação para todos.”
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O caso do Itacurussá ganhou contornos próprios. Vizinhos afirmam que Arlindinho e família descumpriram ordens judiciais de paralisação da obra, mesmo depois de fixada uma multa diária que começou em 1 000 reais, no dia 4 de maio. Por determinação da juíza da 22ª Vara, pulou para 5 000 reais após seis dias. “Réus continuam realizando obra na piscina em sua cobertura”, destacaram os advogados do condomínio à juíza.
Para provar a acusação, foram anexadas ao processo imagens das câmeras de segurança que mostram o momento em que a proprietária do imóvel abre o porta-malas e de lá retira duas capas de prancha de surfe “lotadas de material de construção”. A petição dos advogados traz ainda fotos feitas com drones que mostram a evolução diária da obra e acusações de que a família usaria pontos cegos da garagem para o desembarque dos operários. “Os réus sabem que estão sendo filmados e buscam dificultar a visualização do ocorrido. O elevador por eles escolhido é sempre o único do prédio que não tem câmeras de segurança”, afirma a acusação. A multa pode chegar a 50 000 reais por dia, caso os Galdeano continuem com a obra. A ver os próximos capítulos dessa eletrizante novela à beira-mar.
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