Beirando os 79 anos, Domingos Oliveira não pensa em parar
Diretor, roteirista e ator lança Infância, com Fernanda Montenegro, finaliza um romance e está dirigindo um novo projeto no cinema
Este mês de setembro não tem apenas quatro domingos, como informa a folhinha. Tem mais. Há o Domingos que está merecendo mostras de seus filmes tanto no Cine Odeon, no Centro, como no Oi Futuro, no Flamengo, e há também o Domingos que estreou, na quinta (10), um longa-metragem nos cinemas, Infância. Isso sem dizer que, além de tudo, comemora 79 anos no dia 28 e ainda arranja tempo para escrever um romance, Antônio, o Primeiro Dia da Morte de um Homem (que a Editora Record finaliza daqui a duas semanas), e para dirigir Barata Ribeiro 716, filme sobre a juventude carioca da fase pré-golpe, em 1963, que chegará às telas no ano que vem. Estamos falando de Domingos Oliveira.
Seu currículo, obviamente, não cabe em um só parágrafo, mas aí vai um resumo: diretor de cinema, roteirista, autor de teatro, ator, poeta, colunista de jornal e, disso sabe-se menos, engenheiro elétrico — formou-se na antiga faculdade do Largo de São Francisco. É o nome por trás de uma de nossas comédias mais populares, Todas as Mulheres do Mundo, lançada em 1966, com Leila Diniz, uma de suas cinco esposas. Da mesma forma, a companheira nas últimas três décadas, Priscilla Rozenbaum, está no filme que agora estreia, protagonizado por Fernanda Montenegro, o mais caprichado da carreira de Domingos e a produção mais cara que dirigiu.Ambientado na década de 50, o longa tem como figura central um garoto que não entende muito bem as engrenagens da própria família. Seu pai faz negócios imobiliários escusos. A mãe tem a vida completamente atrelada à da avó. Seu tio alcoólatra flerta com a empregada da bela casa de Botafogo, onde vive parte do clã. E o primo levado da breca fala um palavrão atrás do outro. Enquanto tudo acontece sem a câmera sair da mansão, o Rio de antigamente é revelado através dos diálogos. Nesse sentido, é curioso notar como imóveis no Andaraí, na Zona Norte, na época valiam mais do que terrenos no Leblon — o bairro da Zona Sul é considerado “fim de mundo” pelos personagens. E também diz muito sobre o país de então, a expectativa de todos, em volta de um enorme aparelho de rádio, aguardando os discursos inflamados do jornalista Carlos Lacerda, figura de destaque nos meandros da política daquele tempo.
“Infância tem esse título e meninos no elenco, mas não é um filme infantil. E, mesmo que haja roupas à moda antiga, não é um filme de época. Trata-se de uma história sobre uma burguesia mentirosa e decadente, ou seja, uma história absolutamente atual”, diz o diretor em entrevista a VEJA RIO concedida em seu apartamento, próximo à Praia do Leblon. Com sintomas da doença de Parkinson, hoje Domingos anda devagar e fala mais baixo — mas continua falador contumaz. Isso não o impede de interromper a conversa para dançar o Elvis Presley que toca no computador nem de cantar um samba, meio que de repente. Detalhe: antes da sessão de fotos pôs-se a interpretar, exímio no teclado, música clássica. A cabeça anda a mil.
A verve de filósofo informal continua afiada — ele adora discorrer sobre o sentido da vida. Sente revolta contra a finitude e revela que nunca para de trabalhar: “Nas horas livres, trabalho também”. Tido como um Woody Allen à carioca pelos temas que aborda em seus textos, seja no teatro (em novembro, a série Terceiro Sinal, no canal GNT, vai enfocar seu modo de dirigir), seja no cinema, Domingos acha graça da comparação, mas ressalta: “Ele é quase um ano mais velho do que eu”. E gargalha ao recordar um diálogo que manteve com a estrela de seu novo filme. “Fernanda me disse assim: ‘Quando temos 40, devemos, urgentemente, fazer coisas importantes na vida. Aos 50, também. Aos 60, também. Aos 70, também. Aos 80, melhor ficar distraído’.” Pode até ter graça, e um fundo de razão. Mas distraído é o que Domingos menos está no momento.