A carta de demissão do secretário José Mariano Beltrame, entregue ao governador interino Francisco Dornelles na tarde de segunda (10), pôs fim à mais duradoura gestão da área de segurança no estado. Ao longo de nove anos e nove meses, o gaúcho de Santa Maria fez história ao implantar o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), a primeira iniciativa bem-sucedida a enfrentar a criminalidade nas favelas da cidade. A retomada do poder público em áreas dominadas pelo tráfico resgatou a autoestima do carioca e provocou uma queda abrupta nas taxas de criminalidade. Passados oito anos da instalação da primeira UPP, no Morro Dona Marta, em Botafogo, o modelo, de relevância inquestionável para o Rio, dá sinais de esgotamento. A imagem de um homem abatido a tiros rolando pelo maciço do Cantagalo em um confronto entre gangues de bandidos e a polícia nos limites entre Copacabana e Ipanema, disseminada pela internet na semana passada, tornou-se emblemática dessa inflexão. “Beltrame fez uma gestão que apontou caminhos, mas não investiu neles. Também desperdiçou o capital político que amealhou ao deixar de reestruturar a polícia”, critica o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj.
Designado como o sucessor de Beltrame, Roberto Sá, até então subsecretário de Planejamento e Integração Operacional, terá uma herança complexa para administrar (veja o quadro à esquerda). O mais difícil dos desafios é a delicada situação das finanças estaduais. Nos últimos dez anos foram aplicados cerca de 40 bilhões de reais na segurança pública. Hoje, com o governo na bancarrota, não há como manter o padrão de repasses ao programa de 38 UPPs no Rio. Uma das críticas é justamente ao tamanho do projeto. “É insustentável. Teria sido mais sensato ficar em vinte favelas estratégicas. O resultado é que a polícia está enfraquecida”, analisa Rodrigo Pimentel, ex-capitão do Bope. A tese de Pimentel é sustentada por estatísticas: embora as taxas de homicídio tenham caído 25% em oito anos, o número de crimes como roubo de veículo e latrocínio, depois de quedas sucessivas até 2012, aumentou a partir de 2013.
Diante de tal complexidade, as soluções não são triviais. Se os casos de violência antes se concentravam na capital, agora se espalham pela região metropolitana e interior. Com o efetivo de 46 694 policiais militares e 9 840 civis, a nova gestão terá de distribuir bem seus homens. Especialista no tema, o antropólogo Paulo Storani é radical na solução. “A redução do número de UPPs é necessária e deve ser feita mesmo sob críticas. Isso não é retrocesso, mas sim um passo atrás para depois avançar de novo”, opina. Da mesma forma, apenas a presença de mais policiais nas ruas também não é suficiente para fazer frente ao crime. Para a cientista social Silvia Ramos, a inteligência da polícia do Rio é precária. “Temos recursos que não são usados. Ainda se acredita que é apenas com homens que se melhora a segurança”, diz a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. Ao novo secretário cabe, agora, apontar o rumo a ser seguido.