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Carnaval S/A: blocos se profissionalizam e colorem a folia do Rio

A fervilhante temporada de ensaios pré-carnaval prova que eles têm organização e fôlego para alcançar novos palcos para além das ruas

Por Marcela Capobianco
19 jan 2024, 06h00
Vem Cá, Minha Flor levará seus 150 integrantes para o Nau Cidades: o ensaio virou show
Vem Cá, Minha Flor levará seus 150 integrantes para o Nau Cidades: o ensaio virou show (./Divulgação)
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“Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando e não posso falar… Tô me guardando pra quando o Carnaval chegar.” Escritos no início dos anos 1970, os versos de Chico Buarque traduzem tempos que, a julgar pela animação antecipada que já se observa nas ruas da cidade, ficaram para trás. São verdadeiras multidões arrastadas pelos blocos bem antes do feriado momesco, que só tem a ganhar com tamanha agitação. Formalizados e organizados, muitos cortejos egressos da espontaneidade da folia passaram a oferecer ensaios-­shows, com cobrança de ingresso, como um meio para se capitalizar de olho no ápice da farra: o dia do desfile. É o caso do Vem Cá, Minha Flor, que desde 2014 mescla percussão e metais a hits de axé, funk e pop. Na última semana de janeiro, ocupará o Nau Cidades, no Santo Cristo, com seus 150 integrantes. “Eu era professor de geografia e a necessidade de tornar o cortejo sustentável financeiramente me fez retornar à faculdade e estudar produção cultural”, conta Leonardo Guidolini, fundador do Vem Cá. “Passei a entender o mercado de eventos e os processos. Foi uma virada de chave para profissionalizar o bloco”, diz.

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Vários outros palcos estão a toda neste frenético período que antecede o Carnaval. Chamada carinhosamente de “escola de festa” por Perfeito Fortuna, seu idealizador, a Fundição Progresso, na Lapa, abrigará diversos desses ensaios nesta pré-temporada. Nos domingos de janeiro, o tradicional Céu na Terra desce as ladeiras de Santa Teresa para uma maratona ali, entre 11h e 18h, com direito a banho de mangueira, sets de DJs e apresentações de blocos convidados. Também se juntarão ao agito de lá Charanga Talismã e Agytoê. “Fomos pioneiros ao criar uma versão reduzida do bloco, com onze pessoas, para tocar em eventos. Mas o ensaio é diferente, reunimos mais de cem músicos e podemos errar e recomeçar à vontade”, explica Péricles Monteiro, coordenador do Céu na Terra. Em fevereiro, é a vez do gigantesco Monobloco sacudir a casa em três datas, antes do imperdível desfile que toma o Centro. “O Carnaval é um motor da economia criativa. Nesses 24 anos à frente do Monobloco, vi uma turma que queria botar o bloco na rua só para se divertir e um pessoal que teve fôlego para ir além dos dias de folia, sobretudo os blocos temáticos”, relata o músico Pedro Luís.

Aquecimento: Monobloco (acima) e Céu na Terra (abaixo) ocupam a Fundição Progresso
Aquecimento: Monobloco (acima) e Céu na Terra (abaixo) ocupam a Fundição Progresso (Thaty Aguiar; Luiz Franco/Divulgação)

Na virada do século XIX para o XX, era difícil perceber as diferenças entre os ranchos e cordões, de onde se originaram os blocos e as escolas de samba. Tida como a primeira agremiação do Carnaval, a Deixa Falar, por exemplo, estreou como rancho, em 1932. “O mercado de eventos, aquecido no pós-pandemia, exigiu uma certa formalização de algo que, por muito tempo, era apenas uma brincadeira”, lembra Rita Fernandes, presidente da Sebastiana, liga com cortejos mais tradicionais e idealizadora do CasaBloco, que ocupa o MAM nos dias 26, 27 e 28 de janeiro. “Só não dá para misturar as estações e cobrar ingresso em festa de rua”, defende. O anárquico Amigos da Onça faz ensaios semanais no Bosque Bar, no Jockey, enquanto o TriboQ, conhecido por carnavalizar hits de divas pop, aterrissa num camarote durante ensaios técnicos da Sapucaí. “O bloco se transformou em uma plataforma, que possibilitou ainda a criação de uma feira de empreendedores LGBT. É possível lucrar e, ao mesmo tempo, olhar para o lado social”, ressalta o fundador e vocalista Beni Falcone.

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O Carnaval é sabidamente vital para ajudar a girar as engrenagens financeiras da cidade. Em 2023, movimentou mais de 4 bilhões de reais, entre blocos de rua, Sapucaí, shoppings e hotelaria. “O Rio tem o potencial de promover uma economia da festa, transformando-se numa vitrine do Brasil não só em fevereiro, mas o ano todo. E esse movimento já começou”, celebra Luciana Guilherme, professora do mestrado em economia criativa, estratégia e inovação da ESPM. Certos de que blocos são chamariz de público em qualquer época, distintos festivais ingressaram no calendário carioca unindo apresentações de cortejos a outras atrações musicais. “O Universo Spanta, que hoje ocupa a Marina da Glória, é ótimo exemplo de como o Carnaval é um caldeirão de negócios. Parcerias entre os setores público e privado são fundamentais para que esse modelo se espalhe por todos os meses do ano”, aposta André Coelho, coordenador da FGV e especialista em turismo. Público e energia não faltam.

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