No último dia 26, após sessão em Paris, na sede da Unesco — a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura —, a roda de capoeira foi designada como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Trata-se de uma vitória para o Brasil, já presente nessa nobre lista com o samba de roda do Recôncavo Baiano, a pintura indígena Kusiwa, do Amapá, o frevo pernambucano e o paraense Círio de Nazaré. Nós cariocas temos razões para comemorar. Essa manifestação cultural única, mistura de luta, música e dança, desenvolvida e disseminada por escravos africanos em terras brasileiras, confunde-se com a existência da cidade. No livro História das Ruas do Rio, Brasil Gerson (1904-1981) conta que, “para alguns folcloristas”, nasceu na Rua Dom Manoel, no Centro, “o jogo da capoeiragem, nas brincadeiras dos negros escravos que a povoavam de ponta a ponta, transportando na cabeça suas capoeiras (gaiolas) repletas de galinhas”. Do folguedo restou a luta: no fim do século XIX, a capoeira havia se tornado um problema de segurança pública na então capital federal, com seus praticantes divididos em “maltas” que dominavam o Rio e influenciavam a política, como as milícias nos dias de hoje. O primeiro Código Penal da República, de 1890, deu o amparo legal para prisões e o desterro dos capoeiras em Fernando de Noronha. No começo do século XX, intelectuais da belle époque promoveram o resgate. Assinado por Lima Campos e ilustrado por K.Lixto (1877-1957), capoeirista e um dos pilares da caricatura moderna brasileira, artigo na revista Kosmos, publicado em 1906, situava nosso patrimônio imaterial acima de outras grandes lutas populares, a saber: “a savata franceza, o jiu-jitsu japonez, o box inglez e o páu portuguez”. Daí para a atual power capoeira nas academias refrigeradas foi um pulo. Ou um rabo-de-arraia.