O publicitário Carlos Schwenk, de 31 anos, surpreendeu-se ao ter a compra de uma passagem para os Estados Unidos recusada pela operadora de cartão de crédito há cerca de três meses. Não que ele ignorasse uma dívida na casa dos 5?000 reais que já se arrastava ? e crescia a juros de 10,9% mensais ?, mas porque continuava fazendo pagamentos sem enfrentar problemas. Numa reação automática, ele digitou o número de seu outro cartão, de uma bandeira diferente, no site da companhia aérea. Foi frustrado novamente, pelo mesmo motivo: o saldo estourado de 2?200 reais impedia a movimentação. Apesar da evidente enrascada financeira em que se meteu, Schwenk só se deu conta de que a encrenca era séria quando foi pedir ajuda aos pais. Eles se sentaram com o filho na frente do computador e mostraram a bobagem que ele vinha fazendo. Não precisaram fazer cálculos complexos, tampouco usar planilhas para diagnosticar o problema. Com aritmética simples, demonstraram a causa óbvia do rombo financeiro: os gastos do rapaz eram sempre maiores do que seu salário. Se resta um consolo a Schwenk é que ele não está sozinho nessa situação. Longe disso. Segundo um estudo realizado pela consultoria Kantar WorldPanel, que se baseou em entrevistas mensais em mais de 11?000 lares, os cariocas são os campeões em estourar o orçamento no país. O déficit mensal per capita por aqui é de 292 reais, bem acima da média nacional (veja o quadro na pág. 44). “Os cariocas não querem abrir mão do que conquistaram nos últimos anos com o renascimento econômico da cidade, mesmo que tenham de viver no vermelho”, alerta Christine Pereira, diretora comercial da Kantar.
A despesa além das posses decorre de vários motivos. Podemos até dizer que algumas dívidas contraídas se dão por uma boa causa, como é o caso da compra da casa própria ou do investimento nos estudos. O endividamento dos cariocas, porém, é basicamente de outra ordem, e sem compensação no futuro: em grande parte, ele é fruto do consumo desmedido. Na fila da principal agência da Serasa, empresa de análise de crédito dos consumidores, no Centro, o que mais se encontra é gente enrolada com crediários para a compra de bens de consumo, como roupas e aparelhos eletrônicos. Na terça passada, a bancária Clara Castro, de 27 anos, tentava justamente limpar seu nome na praça depois de se atrapalhar com o carnê que abriu para a compra de uma televisão e um computador. Quando percebeu que o dinheiro era insuficiente para cobrir todas as despesas, optou por pagar as contas de luz e telefone, para evitar o corte dos serviços. “Na hora do aperto, o devedor decide o que priorizar com base nas punições, e ele sabe que uma loja não vai bater à sua porta para reaver a máquina de lavar”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa, que alerta: “É fundamental incluir a taxa de juros no cálculo, sob o risco de criar uma dívida impagável em pouco tempo”.
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Se a irresponsabilidade é apontada como a grande vilã do déficit, a situação tende a ficar mais embaraçada quando a conjuntura econômica se torna desfavorável. E é exatamente o que acontece no país. Em alta, a inflação acumulada nos últimos doze meses é de 6,5%, com reflexo na redução do poder de compra. No afã de conterem a disparada de preços, as autoridades monetárias aumentam a taxa Selic, que serve de base para bancos e lojas fixarem os juros. Como agravante, há uma desaceleração geral da indústria e do varejo, e muitos economistas já temem um aumento no desemprego. Hoje, 63% das famílias brasileiras estão endividadas. Se a economia nacional não voltar a se aquecer, esse número fatalmente vai ficar maior. “Um quinto da renda dessas fam��lias está comprometido com dívida. A estagnação iria deteriorar um quadro que já está ruim”, afirma o economista Simão Silber, da Universidade de São Paulo. Economia doméstica é diferente de carro. É justamente quando ela desacelera que devemos apertar mais o cinto. O publicitário Schwenk e uma multidão de cariocas que o digam.