Na contramão das demolições de imóveis históricos como o palacete de 1915 que abrigou os restaurantes Maria Thereza Weiss e À Mineira, em Botafogo – e veio abaixo para dar lugar a um edifício residencial -, casarões da Zona Sul que ajudam a contar a história do Rio vem sendo repaginados para abrir novos capítulos na trajetória da cidade. O restauro do casario do Largo do Boticário, que recebeu investimento de cerca de 70 milhões de reais e agora o hotel Jo&Joe, no Cosme Velho, é um dos destaques deste movimento, que tem outro exemplo na mesma vizinhança: a chocolateria Lugano restaurou o prédio da antiga Estação do Cosme Velho, onde se pode pegar o trem para o Cristo Redentor. Mas os bons exemplos de revitalização se espalham por vários endereços. Uma esperança de renovação sem que o passado precise ser apagado.
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“Vejo com tristeza quando ocorrem essas demolições, pois são prédios que fazem parte da história da cidade e da memória afetiva dos moradores. E isso vem ocorrendo em vários lugares do Rio. Pensamos nessas construções como uma unidade material, que preserva as memórias coletivas de uma comunidade. Elas nos dão a noção de pertencimento, de onde viemos, como sujeitos da História. Os moradores precisam ser ouvidos. O retrofit (revitalização de edifícios históricos sem comprometer a memória) é uma forma de preservar o patrimônio e pensar na questão socioambiental que se apresenta”, disse ao Globo a historiadora Luciene Carris, autora do livro “Histórias do Jardim Botânico: um recanto proletário na Zona Sul carioca”, publicado no ano passado e que aborda a demolição de um prédio histórico onde ela morou, naquele bairro.
No Largo do Boticário, que ocupa uma área de 4.157 metros quadrados, as seis casas foram reformadas respeitando suas principais características originais, assim como a floresta nativa ao redor. As icônicas escadas caracóis, o piso, os azulejos e outros elementos do conjunto arquitetônico passaram por um minucioso trabalho da equipe de restauro, com a supervisão feita pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), órgão que tombou o imóvel. “O Jo&Joe Rio de Janeiro foi pensado para tornar o Largo do Boticário um local exclusivo, ressaltando sua importância histórica”, disse a arquiteta Mila Strauss, que, ao lado de Marcos Paulo Caldeira, do escritório MM18, foi responsável pelo design do espaço. No prédio da estação da primeira ferrovia eletrificada do Brasil, inaugurada em 1884 por D. Pedro II, a Lugano investiu cerca de 1,5 milhão de reais. O restauro precisou seguir um rígido controle de diversos órgãos.
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Construtoras como a Mozak estão atentas à importância histórica de algumas edificações. Entre os projetos de retrofit assinados pela empresa está o complexo Guilhermina, no Leblon, que reúne marcas autorais de moda, design e gastronomia. O empreendimento, inaugurado em 2021, está localizado em um imóvel preservado, no terreno onde funcionou por 48 anos o colégio St. Patrick’s. “A Mozak está focada na Zona Sul, área urbana totalmente consolidada, com infraestrutura e poucos vazios urbanos. Diante dessa adversidade, acabamos nos especializando em edificações preservadas ou tombadas. São imóveis bem localizados, em áreas valorizadas e com potencial construtivo“, explica Fernanda Carvalho, especialista em Legalização da construtura.
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Já o restaurante La Fiorentina, inaugurado em 1957, no Leme, quase se tornou uma agência bancária. O imóvel foi tombado como Patrimônio Cultural do Rio há cerca de um mês, após um abaixo-assinado. Famosa não só por sua cozinha tradicional italiana, a casa ostenta colunas e paredes assinadas por personalidades das mais diversas áreas e épocas que já frequentaram suas mesas. Alguns dão nome a pratos já tradicionais. Para Luciene Carris, a exemplo do La Fiorentina, a preservação de um imóvel deveria ir além do seu valor arquitetônico e cultural, e levar em consideração a memória afetiva da população.