A delação premiada do ex-PM Élcio de Queiroz à Polícia Federal ajudou a esclarecer pontos até então obscuros da dinâmica dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes expôs “furos” da investigação conduzida pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio (MPRJ). Nos cinco anos em que esteve à frente do inquérito, a Delegacia de Homicídios (DH) não foi capaz de desvendar a rota de fuga dos assassinos, bem como as atividades criminosas do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, assim como o responsável pelo desmanche do veículo, não haviam sido elucidados.
+ Como funciona o ‘botão do pânico’ que ajuda mulheres vítimas de agressão
Essas não foram as únicas informações vieram à tona apenas na delação de Queiroz. Segundo levantamento do jornal O Globo, nos dias seguintes ao crime, agentes da DH não coletaram imagens de câmeras de segurança de prédios no entorno do local do duplo homicídio. A especializada também não aprofundou a investigação sobre Suel, embora soubesse de seu suposto envolvimento com uma milícia em Rocha Miranda e de supostos crimes cometidos pela quadrilha. Ele nunca foi indiciado por integrar o grupo paramilitar. E, na análise das ligações feitas por Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos, nos dias posteriores às execuções, não conseguiu identificar o responsável pelo desaparecimento do Cobalt usado no ataque.
Como no inquérito da DH não havia imagens que mostrassem a fuga dos assassinos, ao assumirem o caso, os investigadores da PF, então, entraram em contato, em março passado, com o Centro de Convenções Sulamérica, a poucos metros do local das mortes, para saber se alguma gravação que esclarecesse o caminho dos matadores havia ficado armazenada. Antes, uma testemunha havia afirmado à Polícia Civil que o carro dos assassinos tinha passado em frente ao local. Agora, à PF, um representante do empreendimento alegou, por e-mail, que não tinha mais as imagens e que não houve um pedido para que elas fossem preservadas. “O vigilante local recebeu um policial civil na época, o mesmo portava somente sua documentação funcional e veio em uma viatura caracterizada da Civil. Não nos foi passada nenhuma documentação formal de pedido de gravação. O policial seguiu até a sala de monitoramento e pediu para fotografar com seu próprio celular um de nossos monitores”, disse o representante do Sulamérica, segundo o jornal.
+ Virou lei: como vai funcionar cadastro obrigatório de cães e gatos no Rio
A partir da delação de Queiroz, a PF retomou também a apuração sobre a atuação de Suel na milícia. Em seu depoimento, o ex-PM não só contou que o ex-bombeiro tem o monopólio do gatonet na região, como revelou que Lessa era seu sócio no negócio. O sumiço do Cobalt usado no crime é mais uma lacuna. A DH não conseguiu precisar o local, a data e os envolvidos no desmanche do veículo. Mas os históricos de chamadas de Lessa e Suel, obtidos pela DH em 2018, revelam que, nos dias após o 14 de março daquele ano, ambos fizeram ligações para Edilson Barbosa dos Santos, o Orelha, ex-proprietário de um ferro-velho apontado por Queiroz como responsável pelo desmanche do Cobalt. No dia seguinte ao crime, entre 15h31 e 19h21, Suel ligou sete vezes para Orelha. Lessa ligou para Orelha às 8h50 do dia 16, mesmo horário que Queiroz aponta como o da entrega do veículo para desmanche. De posse dos históricos de chamadas, a DH não procurou identificar para quem os dois suspeitos ligaram.
Questionada pelo Globo, além de ressaltar que Queiroz foi preso pela corporação, a Secretaria de Polícia Civil (Sepol) alegou que “a delação de um dos envolvidos ratificou o acerto investigativo e acrescentou novos e relevantes dados da execução, representando mais um importante passo para se chegar ao mandante e à motivação do crime”. A secretaria disse ainda que “ as investigações da Polícia Civil são acompanhadas pelo Ministério Público, que atua em conjunto com a autoridade policial e requisita diligências consideradas imprescindíveis para formação de seu convencimento e formalização de acusação perante a Justiça”. Já o MPRJ respondeu que os questionamentos do jornal deveriam ser direcionados à Civil e acrescentou que as investigações, no âmbito do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), tramitam sob sigilo.
+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui
Desde março de 2018, cinco delegados da Polícia Civil estiveram à frente das investigações das mortes de Marielle e Anderson. A Polícia Federal entrou nas investigações este ano, após o presidente Lula oferecer ajuda ao governo do Rio. Enquanto o MPRJ sempre atuou no caso, com a formação de uma força-tarefa dedicada à apuração das circunstâncias dos assassinatos.