Na paisagem de Hong Kong, chama atenção o Hotel Península. Legado da colonização inglesa, o prédio de estilo neoclássico, construído em 1928, é uma espécie de Copacabana Palace local. No 28º andar fica o restaurante Felix, que tem design do arquiteto francês Philippe Starck e janelões de onde se descortinam a baía e o porto. A aura de requinte misturada a toques de modernidade traduz com perfeição o jeito como a China quer ser vista pelo mundo. Coincidentemente, também se chama Península o condomínio localizado na Barra que vem acolhendo de forma maciça chineses recém-chegados à cidade. Ali, um edifício em especial, o Evidence, tornou-se um enclave da potência asiática às margens da Lagoa da Tijuca. Virou residência de cerca de oitenta chineses que trabalham em uma mesma empresa, espalhados em vinte apartamentos. Eles não são um caso isolado. Nos últimos cinco anos, mais do que triplicou o fluxo de pessoas que deixaram Xangai, Pequim, Shenzen e outras cidades de lá para vir trabalhar no Rio (veja o quadro na pág. ao lado). Para facilitar a adaptação no exterior, algo cada vez mais comum nestes tempos de economia globalizada, esses imigrantes utilizam algumas artimanhas. Ainda na escola, adotam nomes ocidentais. “Nossa cultura é muito diferente, por isso escolhemos outro nome ainda nas aulas de inglês”, diz o engenheiro Cheung Leh Chi, há um ano radicado no Rio, onde é conhecido como Anthony. Ele pode ser visto na companhia de Aiping, Yaojiu, Zhihua e Yuanxiu ? ou melhor: Leo, Thomas, Lucas e Cynthia, respectivamente.
Quase a totalidade dos chineses que desembarcam no Rio com visto de trabalho tem vínculo com empresas de artefatos eletrônicos ou siderurgia. A turma residente no Península, por exemplo, reúne funcionários da ZTE, do ramo de telecomunicações. Inicialmente, a companhia trouxe uma leva de trinta profissionais para abrir uma filial na Zona Oeste. Numa solução de emergência, alojou-os em um casarão em São Conrado, onde dividiam quartos e a mesa de refeitório, abastecida por um chef compatriota. Quando o contingente aumentou, os funcionários foram transferidos para o prédio atual e acabou a história do mestre-cuca particular. Mas outros agrados foram mantidos. Para afagar esses profissionais, que vêm de tão longe, a firma fornece ônibus para o trajeto casa-trabalho. O veículo fica ainda à disposição para passeios nos fins de semana. Búzios, Cabo Frio, Arraial e Paraty são destinos frequentes, bem como os restaurantes chineses no Rio, aprovados com ressalvas. “Assim como o baiano come acarajé e o gaúcho churrasco, a gente tem muitas cozinhas em nosso país”, conta a consultora Wu Aimin, a Cindy, que desbrava o Rio ao lado da amiga Yuanxiu Zhang, a Cynthia. “O problema é que aqui todos os estabelecimentos se inspiram na culinária do sul da China.”
O Rio não costuma concentrar redutos de estrangeiros, ao contrário do que ocorre em outras metrópoles. “Por ter um perfil mais agregador, e também porque aqui as colônias não são tão grandes assim, a cidade dilui mais os grupos de estrangeiros”, argumenta o urbanista Carlos Seara, professor da Uerj. São Paulo, por exemplo, concentra sua população de chineses e descendentes no bairro da Liberdade, antigo reduto dos japoneses. Mais de 150?000 pessoas se reúnem na região para comemorar o Ano-Novo chinês, que acontece na noite da primeira lua nova de janeiro. Em outros países é praxe denominar esses distritos de Chinatown, um termo surgido em 1844, em Singapura, na época uma colônia inglesa. Na década seguinte já era conhecido assim o bairro chinês de São Francisco (EUA), o mais antigo do Ocidente. Em dimensão, no entanto, nenhum deles supera o de Nova York. Como é complicado juntar 680?000 chineses em uma só área, a cidade conta com seis Chinatowns espalhadas. A mais tradicional e turística fica no Lower East Side de Manhattan e é considerada a maior do mundo, com 150?000 habitantes.
Chegados há pouco ao Rio e com muito trabalho pela frente, os imigrantes ainda passam dificuldade em tarefas básicas, como se locomover pela cidade ou fazer um pedido em loja ou restaurante. A maioria não é fluente em inglês, e são raros os que se fazem entender em português. Acostumados à disciplina oriental, eles trabalham tanto que não acham tempo para estudar o idioma. E sofrem com o que dizem ser uma falta de preparo para receber o estrangeiro. “No Aeroporto Santos Dumont não há placas em inglês. A gente fica perdido”, lamenta José Chen Shoutian. Seu compatriota Lucas Yuan Zhihua, diretor de vendas da empresa de eletroeletrônicos Huawei, diagnosticou problemas de outra natureza. Ele reclama que nem sempre se respeita aquilo que é combinado. Isso vale para um simples horário de almoço ou um grande contrato comercial. “Aprendi a estar sempre preparado para alterações de última hora”, diz ele. Como se vê, a colônia já está se habituando ao jeitinho brasileiro.